NA PALAVRA É QUE VOU... * O remorso de Tomé

O avisado e incrédulo Tomé sabia que a sua terra vivia tempos difíceis. A nostalgia da promessa do pão repartido ameaçava desvanecer-se como uma miragem? A velha Estrada de Damasco perdera também o fascínio de outras eras? Sem memória nem alento, o tempo parara? As legiões estrangeiras impunham a Lei estrangeira. Os vendilhões reverenciavam os opressores e comiam sofregamente as migalhas da mesa da abastança paga pelos impostos que esmagavam o povo sob a divisa trágica: A César o que é de César! Numa ironia obscena,era de César o dinheiro do povo subjugado à Lei opressiva e estrangeira…

Ah, mas os velhos falavam da utopia, segurando nas mãos trémulas os cajados que iam amparando o que restava do alento de outros tempos.

Os meninos já não jogavam ao berlinde nem ao pião; as meninas já não jogavam as sete pedrinhas nem cantavam de roda o jardim da celeste; os adolescentes já não disputavam o espaço com os seus papagaios de papel; as adolescentes já não olhavam para a sombra nem sonhavam ruborizadas com os enleios da puberdade. Já não! Agora, desgraçadamente, os novos absorviam valores estranhos, que os envileciam e descaracterizavam; valores que mais e mais provocavam a sua dependência e a sua pobreza.

Da mesa da abastança estrangeira continuavam caindo as migalhas caritativas. Quem dá aos pobres, empresta a Deus! E assim persistiam, num desafio, os reverenciados esmoleres e os seus indispensáveis mendigos. A caridadezinha dos poderosos impunha-se e esmagava os direitos de um povo!

Por oposição à utopia dos velhos, os novos, formatados pela opressão alienante,acreditavam ter descoberto que as estradas eram só estradas e recusavam-lhes o fascínio do simbolismo duma direcção.

E o mar, ah, o mar!, era apenas o ócio da praia ensolarada e os mergulhos nas ondas que vinham desmaiar docemente no areal. O mar já não era mais a largada nem o regresso! O mar já não era mais o ponto de partida e o ponto de chegada!

E os campos, ah os campos!, eram a faina ultrapassada das searas de pão; eram a labuta ultrapassada das hortas donde vinham as couves e as batatas, as alfaces e o feijão, os espinafres e o grão de bico; eram os perdidos pomares, sempre melindrosos, donde vinham os frutos maduros, suculentos e doces; eram as vinhas imensas dourando ao sol no milagre do vinho a haver; eram os hoje cada vez mais raros animais mansos e os animais bravios numa partilha nem sempre harmoniosa do espaço; eram, afinal, o pão suado e honesto da ceia que a Lei estrangeira e os vendilhões haviam tornado impossível.

Os velhos interrogavam-se: como chegámos aqui? Onde errámos na preparação dos nossos filhos e, por eles e com eles, a construção dos Tempos? Que força impõe um templo de fariseus e de cambistas? Para quando um novo chicote expulsando de vez os vendilhões do Templo da Pátria?

Exausto, o velho Tomé, meneando cabeça, dizia de si para si: de que me serviu ser avisado? De que me serviu ser incrédulo? O meu remorso será sempre não ter deixado a mensagem fundamental: Quem não luta, perde sempre!

José-Augusto de Carvalho

5 de Novembro de 2013.

Viana*Évora*Portugal

José Augusto de Carvalho
Enviado por José Augusto de Carvalho em 08/11/2013
Reeditado em 28/12/2018
Código do texto: T4561821
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