Nas Esquinas.

Nunca me sinto completa. Talvez seja por amar demais, acreditar um tanto e sonhar muito. Sempre há um horizonte que faz meus olhos brilharem, mares novos e sabores novos em folha. Degustar a vida é bom demais, ainda mais quando temos a certeza que os passos sulcados no chão de terra batida são a nossa marca mais autêntica. E há passos por aí, em todos os lugares, por ruas, vielas e esquinas. Por vidas.

Há pedaços de mim nas indicações de livros da minha estante, nos que empresto para os outros e nos que indico. Em cada página, impressa como digital, há um pouco do que fui e do que sou (mesmo que breve) e o que serei um dia.

Há partes de mim quando eu me dedico a ouvir, aconselhar e a desejar o bem. A verdade que pulsa pela energia renovada, que eu sempre entrego nas poucas palavras que digo.

Há muito de mim nas palavras que escrevo, em tudo que tento registrar com a ponta da caneta arranhando o papel, ora suave, ora selvagem, assim como as palavras são.

Há fragmentos de mim nas perguntas superficiais, mas que foram formuladas depois de longos dias de uma observação ávida por informações. Depois que os olhos percorreram tantos lugares, mobília, corpos, caretas e rostos.

Há partes de mim nas músicas que indico despretensiosamente, mas que sempre querem dizer alguma coisa. Seja ela coisa para sorrir ou chorar.

Sempre há um pouco de mim nos gostos gastronômicos, nas cores preferidas e no olhar distante pela janela, quando todos comemoram e eu só desejo absorver o infinito.

Há porções de mim no amor que virou amizade e que me cai tão bem, como um vestido caro e bem confeccionado. Tenho costume de perder roupas, coisas, mas nunca alguém especial.

Há pedaços de mim no medo de altura, no pavor de viajar de avião e de ter um filho. Pequeninos pedaços de criança, que vive querendo fugir das responsabilidades de gente grande.

Há muito de mim na cama preguiçosa, que toma a forma do meu corpo e que deseja que um segundo corpo se recoste e sonhe comigo. Pés entrelaçados, abraços apertados e um bom motivo para nunca querer ir embora.

Há meu cheiro na toalha após o banho, minha voz animada no bom dia descontraído ao porteiro, meu sentimento molhado nas lágrimas em um pedido de desculpas, nos pés e na pressa de correr e pegar o próximo trem. Há pedaços de mim por toda a parte do mundo, em restaurantes, praias, lojas, degraus, assento, parada de ônibus, mesa de bar.

Mesmo sendo um eu algumas vezes amarrotado, sonolento, elétrico, sincero, triste ou indiferente, ele existe. Vive numa constância de ciclos que findam e recomeçam, que vão e nascem.

É uma arte essa nossa vida. Uma reciclagem diária, encontro com pedaços nobres, outros nem tanto, mas todos atuantes (por algum tempo) num todo, o palco da minha existência.

ARYANE SILVA
Enviado por ARYANE SILVA em 08/11/2013
Código do texto: T4562779
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2013. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.