É “Fantástico”?

Se existe um programa que não merece o mínimo de tempo perdido é o tal do “Fantástico” veiculado pela Rede Globo. Pior que o seu quadro “Medida certa”, impossível. Nada contra os nutricionistas e endocrinologistas e mais os especialistas em músculos e exercícios que andam por lá. O programa, além de ser de mal gosto é ridículo e sem lugar. Mas do que se trata?

.

O programa “Medida certa”, é verdade, foi um dos quadros mais vistos naquele programa durante um bom tempo. Entretanto, não passa de um reality show enrustido que foi adaptado e que segue – não em tempo real – a vida de celebridades que, a priori, fugiram da medida considerada “correta”. Ou seja, fugiram dos padrões impostos pela sociedade do consumo que nos dias de hoje consomem os corpos como qualquer mercadoria.

.

Criado na zona da cultura de massa o telespectador, diante da TV, que não tem nada de fantástico se contorce ao ver as “celebridades” – o tal do Ronaldinho passou por lá e inclusive teve seu joelho arrebentado – se matando para perderem peso e voltar ao padrão Globo de qualidade. Assim, o quadro mostra “gordinhos”, os quais tentam entrar na medida imposta e apostam entre si quem perdeu mais peso ou que jogou as gordurinhas para fora ou para dentro.

.

O quadro é uma soma de sofrimento e dor. Também fonte de regozijo quando é identificada a perda de peso. O programa ainda tem a indecência de mostrar em cores fortes o tanto de gordura que o protagonista jogou fora naquela semana. A dor e o sofrimento como formas de entretenimento já é conhecida aqui e lá fora.

.

Como disse, o curioso deste programa é que o corpo aparece como capital perfeito e como mercadoria que não temos a certeza se valeu à pena consumir porque o telespectador só terá a ideia do seu “investimento” ao final. Mas esperar que uma gordinha ou um magrinho por natureza chegue ao peso ideal ou ao modelo ocidental, aí as coisas saem do bom senso. Não por acaso, na atualidade, muitas das formas corporais que se deseja modificar sofrem ojeriza, são desconsideradas e entendidas como doenças. Na verdade, perdemos a capacidade de notar o que é aceitável ou mesmo do respeito ao outro e da diferença. Um triste paradoxo, pois nunca na história deste país se falou tanto da diferença.

.

É preciso ainda apontar para tais celebridades que prestam um péssimo serviço ao oferecer seus corpos e sua vida privada para isso. O quadro não se resume às gordurinhas, mas os profissionais do “Fantástico” entram pela casa do “artista" e mostram e jogam na cara de todos a desigualdade social, o como alguns podem e outros não e pior, revelam com força o como se faz um “palhaço da burguesia”.

.

Palhaços enrustidos em sua vida de aparecimento e espetáculo se vendem como sabonetes que diminuem conforme o uso. Acredito que o programa tenha por trás os famosos “agentes” que atuam na calada da noite para abrirem espaço na mídia. Nos meios de comunicação a visibilidade é necessária e obrigatória. É por isso que muitos não saem dos holofotes da televisão, dos jornais, da internet e correm atrás de jornalistas oportunistas. Na sociedade da aparência não existe lugar para a privacidade.

.

É preciso apontar para outro paradoxo porque quando uma celebridade é denegrida (ou acha que foi) ela se volta contra o sistema que lhe garantiu um lugar ao sol. A mercadoria, neste sentido tem sua imagem novamente manipulada, as versões dos fatos e acontecimentos tomam novas roupagens e toda a estrutura de visibilidade é remontada. O contrário é o artista cair no ostracismo, no esquecimento e na morte midiática.

.

Não existe volta: ou o artista se vende em promoções ou está fora do mercado de palhaços feitos para o espetáculo da mídia. No caso do "Medida Certa" a questão é problemática porque dificilmente as pessoas não comparam o próprio corpo com o exposto como verdadeiro na Televisão. Imagino que a ideia triste de se aguentar é a de que algo está faltando no cenário de suas relações humanas que se apegam a padrões e modelos socialmente e politicamente criados.

.

O fato é que a sociedade padronizada inexiste em sua inteireza. Sabemos que ela muda de acordo com a conveniência e que não existe uma medida correta para adaptações ou mudanças no próprio corpo. Somos frágeis, vulneráveis, altos, baixos, gordos ou magros e não é possível acreditar que muitas das medidas certas vão renovar o estoque de felicidade ou fazer um mundo melhor. Podem até produzirem um momento de alegria temporário, mais aconchegante, mas tudo termina quando a velhice chega e quando caem as partes do corpo que naturalmente não possuem maiores condições de se manterem de pé. Apostar na medida certa, tanto para o famigerado “Fantástico” como para os seres humanos, ainda me parece uma medida incorreta.