Vale dos dedos

Um dia desses, olhando de dentro de um ônibus cheio, me deparei com um anúncio desses de outdoor, nem lembro do que era, mas a pessoa nele apontava um dedo para quem o lesse, em tom quase acusatório. Na hora, não soube o que tinha feito, mas tentei não me importar e esperei que a frase no painel pudesse explicar melhor do que me acusavam. Nada. Era um fraco apelo publicitário, tentando me convencer a comprar algo, acreditar em algo ou o que fosse, tão interessante que até hoje não lembro do que falava. Mas lembro a sensação de sentir-me acusado por aquele gesto. E penso se alguns dias não parece que andamos por uma multidão de dedos em riste, sem saber exatamente o motivo. Naquela propaganda, provavelmente me acusavam de não ter algo 'essencial'. Mas, convenhamos, é normal a publicidade agir em tom acusatório, vazia de qualquer coisa concreta a dizer.

Aos acusadores, no entanto, peço que não difamem os pobres críticos, já tão mal vistos por tantos de nós. Não, acusadores não são críticos, mas gostam de dizer que são. A diferença entre criticar e ser crítico é sutil, mas muito importante. Se pensar na atual política brasileira, é fácil perceber, no entanto. Todos que até hoje se apresentaram à mídia como "a oposição" se tornaram especialistas em criticar, vaiar, acusar... mas raramente foram críticos. Decidiram defender apenas a sua posição, o "do contra", e esqueceram de que deveriam defender o melhor para seu eleitores. Pois questionar com palavras é fácil, mas com conteúdo é muito difícil. Falo aqui de discordar com idéias, não com mero discurso. Ir contra, sim, claro, mas acrescentando algo à discussão. É o que difere o "Eu não acho" do "Mas eu acho que...". Quem não acha nada, mas mesmo assim discorda, bem que poderia procurar mais um pouco.

Mas, por favor, os críticos que não me crucifiquem, aqui. A esses, todas as palmas que lhes são devidas. Sim, aplaudo sempre os que discordam com idéias, os que questionam com conteúdo. Por favor, mais conceitos, mais pontos de vista e mais complementos. Mas guardem os dedos para si mesmos. A sociedade não precisa de novas acusações, já temos muitos culpados e pouca gente ou espaço para puni-los. Precisamos de idéias, valores, atitudes, esperança. Mais que tudo, falta-nos fé. Fé no poder estabelecido, fé na bondade alheia, fé na grandeza e no papel de cada um de nós, em meio ao todo. Guardem o gesto acusatório, pois é nele que nos eximimos do dever de olhar dentro de si, sempre que possível. Mais do que idéias, talvez nos falte a humildade de apontar o dedo para nós mesmos.