O DIA EM QUE UM NEGRO (DESCENDENTE DE ESCRAVOS) MANDOU PARA A CADEIA, POR CORRUPÇÃO, HOMENS E MULHERES BRANCAS.

Em 1888 (há 125 anos), negros descendentes de escravos recebiam uma pretensa libertação da maldita e desumana escravidão imposta durante mais de 300 anos por portugueses da raça branca. Os escravocratas e colonizadores do Brasil viam os pobres e indefesos africanos (que não possuíam armas de fogo para enfrentá-los de igual para igual) como animais que serviam apenas para o trabalho sujo, pesado e cruel. Esses seres humanos, que possuíam famílias, bens, desejos, coração e alma, foram arrancados de suas terras do outro lado do oceano Atlântico e trazidos à força, enjaulados como animais, massacrados e obrigados a trabalhar com grilhões de ferro no pescoço (para não fugirem) e ainda recebendo chibatadas. Trabalhavam de sol a sol e no fim do dia eram acorrentados em um tronco. Recebiam comida como se fossem porcos. Essa barbárie foi mantida durante séculos. Uma raça que se sentia superior subjugava as outras que não podiam se defender: índios e africanos. Milhões morreram de fome e maus tratos. Milhares de mulheres ainda crianças foram estupradas por brancos assassinos e seus bebês arrancados de seus ventres, queimados ou decapitados para não envergonharem as nobres famílias. Os escravos disputavam a comida com os animais para não morrerem de fome e sede. Juro que não pensei que um dia ainda veria homens e mulheres pertencentes a classe privilegiada do Brasil, (brancos, com formação superior) irem para a cadeia por corrupção, por terem se apropriado de dinheiro público para se manterem no poder.

Você conhece essa história? Você se considera uma pessoa da raça branca, negra, índia ou asiática? É uma pessoa que possui no sangue várias raças, ou não? A miscigenação é a união entre pessoas oriundas de várias etnias. Atualmente, já não é mais aceito o conceito de “raça pura”. Muitas são as pessoas que ainda veem a cor da pele como uma “diferença”. Arranque a pele de pessoas de várias origens (negra, índia, branca, amarela, etc.) e você verá seres humanos iguais.

A cor da pele é só uma embalagem. No mundo em que vivemos, a pele branca ainda é uma “embalagem competitiva”. Negros e índios saem perdendo no Brasil. Pesquisas mostram isso a todo o momento. Pessoas de pele negra com nível de escolaridade igual a de brancos, ganham menor salário e não ocupam muitos cargos de chefia, comparados aos de pele clara. São menos capazes? São incompetentes? O Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Joaquim Barbosa, prova que não são. Ele, um bisneto de escravos, graduou-se em Direito, fez mestrado e doutorado na França, é fluente em vários idiomas e considerado pela revista Time como uma das cem pessoas mais influentes do mundo na atualidade.

Os indivíduos de pele escura não foram os responsáveis pelos maiores crimes cometidos contra a humanidade, no entanto, hoje representam mais de 70% da população carcerária do Brasil. Quem são afinal os verdadeiros vilões da história? Quantos foram aqueles que, de longa data, vem transformando a vida de outros seres humanos em um suplício, sejam eles da pele negra ou branca? Eles são maioria no Congresso, no Senado, na chefia do Executivo (governadores e prefeitos), eles são os maiores empresários do país. Noventa por cento são sim pessoas de pele branca, com alto nível de instrução e que se acham superiores a nós outros pobres mortais.

Você pode estar pensando que eu estou exagerando. Não estou. Entre no site da Câmara dos Deputados, do Senado, Ministérios e outros órgãos públicos e veja lá quantos têm a pele negra. Menos de 10%. Qual a razão? Você tem uma explicação? Se tem, eu gostaria de ouvir. Tenha coragem e me escreva. Não ficarei aborrecido com sua resposta. Diga o que pensa, como eu estou fazendo agora. É uma proposta, um desafio.

Hoje é o dia da Consciência Negra e eu nem sou ativista. Nunca fui. Jamais serei. Não faço parte de nenhum grupo que reivindica nada. Sou a favor de cotas sim, para pessoas que tenham a pele escura e que sejam pobres. Pessoas que possuem dinheiro não precisam de benefícios adicionais. Não posso ser a favor de cotas para pessoas da pele clara (não negras) pois elas ficam sempre com pelo menos 80% das vagas. Quer maior discriminação do que essa? 80% das vagas ou mais. Os melhores empregos públicos, as vagas nas universidades dos melhores cursos tem ficado nas mãos de pessoas - QUE POSSUEM A PELE CLARA! Isso é justo?

Alguns podem estar dizendo: “Não é por terem a pele clara, é por que são mais competentes ou mais esforçadas”. É isso mesmo? As pessoas brancas se acham mais competentes e são mesmo? E a razão disso qual pode ser? Quer dizer então que pessoas de pele escura são preguiçosas, burras, não aprendem direito, blá, blá, blá? Olhem para o Ministro Joaquim Barbosa e se perguntem o que aconteceu com ele para ser hoje no Brasil um exemplo de inteligência, competência e bom caráter. Ele teve oportunidades para estudar. Teve pais que lhe deram, além do incentivo, apoio para que ele se graduasse e se tornasse o exemplo de bom cidadão que se tornou. Se outras pessoas de origem humilde, bisnetas de escravos, tivessem tido oportunidade, poderiam estar hoje ocupando metade da Câmara, metade do Senado, metade dos Ministérios e metade dos cargos do alto escalão de órgãos públicos. Também poderiam ser metade dos milionários deste país. Não estão. A maioria dos descendentes daqueles escravos não tiveram oportunidades. Ocupam cargos de baixo nível. Dê uma olhada à sua volta e comprove isso. Pergunte a eles se gostam do que fazem e se estão felizes por receberem menor salários do que recebem os de pele clara. Pergunte.

Não estou dizendo aqui que pessoas de pele escura são mais íntegros que os demais de pele clara. Não estou dizendo que não cometeriam crimes iguais. Não estou dizendo que todos seriam incorruptíveis. Não estou dizendo, em hipótese alguma, que o caráter de uma pessoa se mede pela cor da pele. Mas é isso que tem sido feito há séculos pela maioria das pessoas da pele branca. Muitas não querem nem chegar perto ou conhecer indivíduos de pele escura. Não aceitam ter um chefe negro ou negra. Não aceitam receber ordens de uma pessoa de pele escura. Basta olhar para uma pessoa negra para ver nela um ladrão, assaltante ou marginal. Sentem-se “superiores”. Sentem-se melhores. São melhores em quê? Só por terem nascido com uma cor de pele diferente e tido oportunidades que os demais não tiveram? Tiveram “sorte” por serem assim?

Somos todos seres humanos. Somos todos passíveis de cometer crimes, erros e acertos. Todos nós. As condenações de quase duas dezenas de homens e mulheres pertencentes a uma classe que se achava acima do bem e do mal é educativa. Antes disso, poucos imaginavam que o processo, um dos mais emblemáticos da luta contra a corrupção no Brasil, pudesse terminar com políticos do alto escalão condenados e presos indo para presídios comuns a todos, onde a maioria condenada é de negros e pobres.

As prisões dos condenados em celas comuns mostram que políticos brancos, poderosos, ricos e com curso superior também podem ir para a cadeia. Não apenas os negros e brancos pobres são condenados e presos. Isso também serve de alerta aos governantes, legisladores, administradores públicos e empresários gananciosos. As condenações dos envolvidos no esquema batizado por “mensalão” devem gerar uma mudança cultural muito grande no país. Pela primeira vez na história, o STF (liderado por um ministro da cor negra) condena políticos de alto escalão e os manda para a prisão. Essa decisão tem um efeito educativo muito grande, deverá também servir para inibir a corrupção que ainda é grande nesse país. É o que todos esperam.

Dois dias depois dos condenados serem presos, um deles (José Genoíno) já solicitou (alegando razões de saúde) ser transferido para uma clínica e provavelmente desejará cumprir prisão domiciliar. Afinal, ele se acha mais privilegiado que os milhares de prisioneiros que não tiveram a chance de estudar em uma escola decente, não tiveram saúde, meios de locomoção, alimentação adequada, habitação digna, porque eles, políticos, estavam embolsando os milhões que deveriam ter sido usados para ajudar a milhões de pessoas saírem da miséria? Agora eles precisam provar do próprio veneno. Se o STF permitir que cumpram prisão domiciliar, perderei a fé na Justiça.

Lembra dos escravocratas que se achavam acima da lei, de tudo e de todos? Eles também foram responsáveis pela miséria que ainda existe em nosso país. Eles foram os primeiros a dar o mau exemplo, roubando, espoliando e explorando as demais pessoas, com a desculpa que eram sem cultura, preguiçosos e destituídos de inteligência. Impediam a muitos de irem à escola, os impediam de ocuparem cargos públicos, os impediam de ter vez e voz. Analfabetos, pobres, negros e mulheres não votavam antes da Constituição de 1891. As mulheres só obtiveram permissão para votar em 1932. Quanta brutalidade e ignorância. Por isso, ainda temos tão poucas mulheres no nosso Parlamento e ocupando cargos de maior poder.

Não há, no Brasil, uma cultura histórica de se punir crimes de corrupção. É muito mais usual punir um ladrão que roubou uma pessoa do que o roubo ao Estado. Mas quem rouba o Estado rouba todos nós. Por isso esses crimes deveriam ter prioridade de julgamento, já que eles são muito mais graves do que o crime comum contra uma pessoa.

Precisamos tirar de tudo isso uma nova lição: seres humanos, independente da cor da pele, podem ser honestos ou não, corruptos ou não, inteligentes ou não, competentes ou não. Não são privilégios de nenhuma raça/etnia tais predicados. Assim, devemos pedir aos nossos filhos, amigos, alunos, clientes, colegas e demais pessoas do nosso convívio que respeitem as pessoas por seu caráter e não pela cor da sua pele. Que não prejulguemos um homem ou mulher apenas por ter mais ou menos melanina na pele. Isso não é medida de caráter, bondade, honestidade ou competência. Para sermos pessoas de bem precisamos ter oportunidades de crescimento, boa educação, boa alimentação e boa saúde. Isso sim faz grande diferença. Devemos dizer aos nossos filhos que todos merecem uma vida digna, sem precisar roubar, apropriar-se indevidamente do que não lhes pertence. Que os bens públicos devem ser usados para promover a justiça e reduzir as desigualdades sociais. Se agirmos assim, teremos no futuro mais escolas, mais hospitais e menos prisões. O dia da Consciência Negra deveria ser o dia da Consciência Humana, onde todos deveriam celebrar a conquista dos nossos sonhos de viver em paz e felizes neste mundo onde o sol ilumina a todos, independentemente da cor da nossa pele.

Mathias Gonzalez é psicólogo e escritor.

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MGonzalez
Enviado por MGonzalez em 20/11/2013
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