Quando Se Recomenda o Silêncio
Quando Se Recomenda o Silêncio
Da mesma maneira que é ilusória a pretensão de provar pela lógica pura e simples que Deus existe, também é pura ilusão achar-se que apenas através dela se conseguirá saber o que é a vida.
Muitos caminhos levam a Roma, mas muitos deles devem ser trilhados para que a Roma se chegue; caso contrário, teríamos apenas um enorme número de caminhos desenhados num mapa. Viajaríamos através do Google.
Em qualquer caso, a experiência concreta é indispensável: no caso da existência de Deus, o sentir a sua existência é única via para a verdadeira fé; o Deus abstrato tem que ser internalizado como uma experiência vivida, e esta apenas será possível através de algo que nada tem a ver com a razão. É uma experiência íntima.
No caso da vida ocorre algo paralelo: quem não se atira à vivência da vida, assumindo todos os riscos para trilhar os caminhos para o qual nos levam os nossos sentimentos, vegetou, não viveu a vida.
Ocorrem-me estas observações porque uma velha amiga recorreu a um padre para aconselhar-se sobre problemas de sua vida conjugal.
Como era de se esperar, o padre aconselhou-a a se conformar, a olhar para as suas obrigações como mãe de família, a rezar para que ela e o marido se entendam e para que continuem tendo forças para resistir ao sofrimento em nome de algo maior que é o bem estar dos filhos. E aí cobrou suas obrigações como mulher e mãe.
Quem pode discordar deste tipo de conselho? Abrir mão dos próprios sentimentos em nome de algo muito maior é algo que se recomenda, pois é através da superação de nossos egoísmos que crescemos humanamente, que nos aproximamos mais do divino.
No entanto, enquanto minha boa amiga continuava a me falar de seu sofrimento, ocorria-me que se o padre tinha a autoridade para falar em determinado nível, era ignorante quanto à experiência do outro, posto que não era e nunca fora casado. E aí me reporto ao que disse acima: este tipo de coisa não se conhece a não ser vivendo, a não ser passando pela dura e malfadada experiência de uma crise conjugal. E dificilmente pode-se ajudar alguém que passa por esta experiência tão deprimente e triste, apelando para suas obrigações e compromissos, porque a pessoa poderá assumi-los em nome de um bem maior, mas é pouco provável que se liberte da crise se os problemas subjacentes não forem enfrentados em sua raiz, se o que está por baixo das dificuldades continuar encoberto sob a superfície.
Aceito perfeitamente que o ser humano não está neste mundo para ser feliz, mas sim para crescer.
E mais: talvez a felicidade esteja no crescimento.
Mas a verdade é que o conformar-se em nome de um bem maior não leva, na maioria das vezes, a crescimento algum. Levará , se for resultante de uma compreensão mais profunda do que existe na relação conjugal, quais as razões que fazem os cônjuges se locupletarem no sentido da regressão e não do crescimento.
O amor verdadeiro, o único sentimento que pode cimentar de verdade a relação homem - mulher, exige muito mais do que o conformar-se: exige o re- configurar-se, partindo de algo muito verdadeiro e assumido, algo muito mais abrangente e profundo do que o simples conformar-se.
E para isto, pelo menos, ao meu ver, é indispensável que o casal se encontre, no verdadeiro sentido do termo, lavando juntos a roupa suja. Não nos esqueçamos que numa relação nada mais somos que o espelho um do outro. Antes de julgar , “olhe para a trave no seu olho”...
Se algo nesta linha não for feito, de duas uma: ou teremos cônjuges conformados e estagnados – o que é péssimo para os dois e para os filhos - ou o rompimento será inevitável, para que prevaleçam as forças da vida.
Pensava nisto enquanto ouvia minha boa amiga mas , confesso, apesar de toda a minha experiência, que a ouvi em silêncio e depois disse umas poucas banalidades.
Porque me surgiu uma dúvida: o que me autoriza a pensar que minha opinião está certa? Talvez tenha sido boa para mim, mas o que me assegura que teria sido boa para ela? Afinal, as circunstâncias eram muito diversas e as pessoas mais ainda.
Não há dúvida que em certas situações o silêncio é de ouro.
Nesses casos dar bons conselhos não basta, pregar o conformismo não basta , ouvir só um dos lados não basta.
É preciso debruçar-se sobre o que está por baixo, descobrir a dinâmica do relacionamento, avaliar a relação como um todo. E isto eu não estava em condições de fazer, nem creio que ela pensasse que eu fizesse. E para dizer a verdade, a não ser pela observação e experiência, não me sinto qualificado para isto. Sou apenas um homem que viveu muito e tem os olhos abertos para ver.E que por isto mesmo sabe que o conformismo em si não leva a grande coisa.