65 ANOS

Os próprios motoristas ou trocadores ali na frente do coletivo, antes da roleta, sendo transportados em seu tempo de folga gratuitamente dizem: vou sentar aqui, no banquinho do ceguinho. Vou sentar aqui no banquinho dos trouxas. Vou sentar aqui no banquinho dos pés na cova. Estes são alguns dos nomes que os idosos passam a ser reconhecidos ou taxados após os 65 anos de trabalho, de sacrifícios, de contas pagas, de filhos formados, de cuidados com as filhas que se casaram, de noites em claro sem poder sequer adoecer. Tudo porque possuem seus lugares reservados por lei no transporte urbano em nossas cidades. Três lugares em alguns, sete ou nove em outros, lugares estes que muitas vezes são ocupados por jovens que fingem dormir para não levantar. Alguns idosos solicitam o lugar, em voz alta para que todos ouçam e são chamados de mal educados. Outros mesmo com as pernas cansadas permanecem ali de pé aos trancos e solavancos ate seu destino final. Um dia certamente este espaço se tornará nobre, porque os grandes brasileiros, que cuidaram para que o País onde o “sol da liberdade em raios fúlgidos” mantivesse sempre com muita “Ordem e Progresso”, que circularam nos subúrbios, nas jardineiras, nas charretes, nos bondes, em lombo de burro, a pé, sim léguas a pé por falta de condução sentam-se ali, naqueles bancos amarelos. Sentam-se porque não tem mais destreza nos corpo para passar a roleta, percorrer aquele enorme corredor do coletivo e descer pela porta traseira de onde pode ate cair. Porque ali, motoristas zelosos cuidam com toda cortesia para que estes, sejam bem vindos a bordo e sentem-se privilegiados por terem a oportunidade de transportar bem pertinho dele, nem que seja por pouco tempo estes nobres e ilustres desconhecidos com seus cabelos brancos, ombros curvados, homens e mulheres de bem e que possuem nomes, Josés, Marias, Antonios, Pedros, Carmélias, Rosas, Alices, Sebastiões e Sebastianas, muito diferentes, muito mais honrados, com mãos calejadas ou não, pés cansados, joelhos doloridos, que jamais, por nenhuma razão, deveriam ser cognominados pelos chamados “normais”, “saudáveis” e “sarados” de simplesmente trouxa, ou pé na cova.

ederbrasil
Enviado por ederbrasil em 24/11/2013
Reeditado em 02/02/2014
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