BELA E JOÃO
 
 
Vivem num vão de escada por detrás de uma loja de luxo, ali mesmo na Avenida da Liberdade.
Bela tem cinquenta anos, nunca andou na escola, a família desinteressou-se dela e ainda cedo começou a sua odisseia como sem abrigo em Lisboa. Agora pede esmola, perto do seu ninho.
João, de cinquenta e três anos, trabalhou na construção civil até a vida lhe trocar as voltas, separado da legítima desde muito novo e com uma filha que não lhe liga nenhuma. Sabe que tem um neto mas nunca o viu.
Arruma carros todos os dias sem exceção, das oito da manhã até às duas horas da madrugada seguinte. As moedas que assim arranja servem para comprar comida para ambos, uma vez que  Bela raramente tem sorte nos seus pedidos.
A sua casa, o tal ninho, tem uma pequena mesa encimada por uma jarra de plástico, com flores também de plástico, dois tapetes servindo de alcatifa e isolamento face ao chão frio que o empedrado constitui. Também têm dois pequenos cães, que lhes transmitem carinho e jovialidade diária.
Esteja frio ou calor, dormem juntinhos, pois o amor que têm um pelo outro é a única posse, para além da roupa que guardam em caixotes de papelão durante o dia e que lhes serve de agasalho à noite.
Vivem sonhando com o dia em que sejam lembradas  promessas feitas e lhes  arranjem uma pequenina casa que seja finalmente o seu desejado lar. Enquanto esse dia não chega, vão vivendo o quotidiano, temendo sempre que um dia sejam dali expulsos por lojistas incomodados pela sua vizinhança.

 
18/11/2013
 
 
* Baseado num fato real.