O ÚLTIMO TEXTO DO ANO (OU AS PROMESSAS DE UM POETA)

Noite de pós-festa, o Natal deixou suas luzes coloridas, sono acumulado e deliciosas rabanadas.

Meia-luz e silêncio na casa. O único movimento é o das mãos sujas de açúcar e canela do poeta enquanto desliza a ponta do lápis pelo papel (ele prefere o lápis à caneta).

Típico costume desta época, ele faz sua lista de resoluções para o novo ano.

Promete não se forçar a fazer exercício...

Porque não são as flexões, mas as reflexões que interessam ao poeta.

Promete não se preocupar em dormir cedo ou tarde...

Porque é acordado que sonha o poeta.

Promete não ter medo do ridículo...

Porque o ridículo impõe limites ao poeta.

Promete não beber...

Porque basta sentimento para embriagar o poeta.

Promete deixar o carro em casa mais vezes e passar a caminhar...

Porque o brilho do sol, o frescor da chuva e o vento no rosto refrigeram a alma do poeta.

Promete comer menos frituras e mais frutas, porque as frutas o fazem lembrar de sua infância, quando subia nos pés de amora e de ameixa e lá se esbaldava...

E boas lembranças alimentam o espírito do poeta.

Promete dar mais valor às coisas simples...

Porque as pequenas coisas tornam grande o poeta.

Promete no próximo ano se apaixonar algumas vezes, e ter seu coração partido em todas elas, e morrer por dentro, para transformar em prosa e verso sua dor...

Porque ainda que morra o amante, vive o poeta.

Enfim, no próximo ano promete simplesmente viver...

Porque cabe ao poeta viver e fazer da vida poesia.

Pequena pausa.

Enquanto aponta o lápis e come rabanada, pensa em como são belas as luzes da árvore de Natal...