O quintal do vovô

A casa da vovó é uma beleza, mas o quintal do vovô... Ah, é um sonho!

Quando chego na varanda e olho para baixo, ali está meu mundo. Como se fosse uma banheira gigante (sem água) assim é o quintal do vovô.

De um lado tem a barreira com grama e algumas árvores. A grama parece deslizar pelo paredão, como um convite à aventura. e as árvores me fazem lembrar de Robinson Crusoé se embrenhando na mata enquanto estava perdido na ilha. Não estou perdido em nenhuma ilha. Estou perdidamente fascinado pelas ideias de diversão que o lugar desperta em mim.

Continuo olhando para baixo e vejo o laguinho.

Minha mãe me diz que é perigoso, fundo e que uma vez minha tia caiu nele e ficaram com muito medo de que ela se afogasse, mas se ela sobreviveu a ele, um dia também vou me arriscar. Ele não me parece nem um pouco perigoso. Pelo contrário, parece-me bastante amigável. Fica ali me olhando silencioso, mas com uma cara de que está doido para eu ir até ele e brincar em suas águas. Espera, companheiro. Logo estarei maior, fingirei que caí e como estarei grande, não preocuparei muito o pessoal de casa. Vovô e vovó nem vão se assustar tanto... É só uma questão de tempo e de mais alguns centímetros.

Agora meus olhos passeiam pelas bananeiras. Até me lembro do poema de Drummond. Aquele que fala de casa entre bananeiras. A casa do meu avô é assim. Entre bananeiras. Às vezes desço e brinco entre elas. Ficam numa área mais segura e minha mãe não fica me cercando de cuidados. Ali sou Robinson vivendo os perigos da mata fechada. Luto com bichos ferozes e venço todos eles. Depois descanso à sombra delas e torço para que o cacho de bananas amadureça enquanto eu ainda estiver aqui. Acho mais interessante pegar a fruta no cacho do que na prateleira do supermercado lá perto de casa. Aliás, queria mesmo que no quintal do meu avô tivesse pé de tudo que eu gosto: morango, melancia, laranja e até de chipes e de batata frita.

O vizinho do meu avô tem muitas galinhas e pato e ganso e até cabra e bode. Eles visitam o quintal do vovô todas as manhãs. Esqueci de dizer que as casas daqui não têm muro. cada um fica no seu lugar, mas sem muro. E como eu estava dizendo, os bichos passam de um quintal para outro e depois voltam para seu dono.

Da outra vez que vim visitar meu avô, trouxe um primo comigo e brincamos muito com o bode do vizinho. No início fiquei com medo dele e quando ele avançou para o meu lado, emendei uma correria só. Depois fui me acostumando com ele e ele comigo. Meu primo mexia e ele vinha correndo , ameaçando uma chifrada e depois mudava o rumo da corrida, como se estivesse gostando de brincar conosco. Parecia até outro garoto aproveitando o quintal.

Minha mãe sempre me conta o quanto ela e meus tios brincavam aqui quando eram pequenos. Às vezes só eles, outras, com os primos e vizinhos.Conta também que quando se machucavam, se escondiam embaixo da laje com medo de meu avô brigar e só reapareciam depois que passava o pior efeito. Vejo o brilho nos olhos dela e percebo a emoção na sua voz, enquanto me relata isso e sei que foi muito feliz aqui, no quintal do vovô.

Meu avô vai pouco ao quintal. Chega na varanda e fica olhando lá para baixo, movendo os lábios distraidamente e passeando os olhos pelo lugar. Parece pensar alguma coisa. Não sei. Talvez saudade de quando minha mãe e meus tios eram pequenos... Sei lá. Minha mãe disse que quando eles eram menores, meu avô e minha avó iam muito ao quintal para limpar e cuidar das plantas. Minha avó também não vai mais ao quintal. Fica mais no quarto vendo televisão ou jogando no computador.

É uma pena um lugar tão gostoso para brincar ficar assim sozinho, abandonado, só receber alguém quando venho passear aqui. Por isso vou aproveitar bastante. Quem sabe se quando eu estiver na idade deles eu também fique apenas observando a vida passando lá embaixo, no quintal.