E o que dizer dos juízes arrogantes que se sentem semideuses?

Há muitos anos estando de viagem para a Belo Horizonte fui portador de uma petição para ser entregue ao Juiz de Direito de Bocaiúva, a pedido do amigo doutor Antonio Proença.

Sem trajar terno e logicamente estando em trajes comum, fui ao gabinete do magistrado, um branquelo, quase albino, de olhos azuis e carapinha loura, que volvia um processo; bati na porta, embora aberta, pedi licença e entrei. Postei-me ante a sua enorme mesa, não sem antes lhe cumprimentar.

Como não se dignou a responder-me e sequer olhar-me, estendi a mão lhe entregando o requerimento. Devo esclarecer que naquela época não precisava protocolizar os requerimentos, como hoje se faz; despachava-se diretamente com o juiz, o que nos permitia fazer uso do vernáculo e às vezes esclarecer alguma dúvida, ensejando de certa forma a economia processual.

Como já disse acima, o magistrado sarará, sem dirigir-me a palavra e o pior, sem responder ao meu cumprimento, recebeu, leu e meneou a cabeça, o que entendi que estava tudo bem.

Voltei-me para a saída, e antes que eu tivesse alcançado a porta, o juiz vociferou: “Quando o senhor quiser falar comigo novamente, coloque um terno”. Fiquei estático por alguns segundos e a resposta que o juiz merecia saltou-me a ponta da língua, mas em respeito à toga calei-me; sem olhar para trás, apenas bati a porta da sala, desci as escadas entrei no meu carro e segui a viagem.

Diz a sapiência do povo que “por respeito ao santo beijamos o altar,” foi o que fiz, engoli a seco e fui embora.

Esse é um exemplo claro de arrogância, coisa que nunca vi em juízes dotados de destreza mental, de intelectualidade elevada, de boa erudição.

Fiquei imaginando o tratamento que esse julgador dispensava aos pobres e simplórios cidadãos que procuravam à justiça de Bocaiúva; se eu, advogado, quase fui enxotado da sua sala por não trajar um terno, como seria com um lavrador de roupas surradas e calçando chinelos.

Nos primórdios os magistrados ingleses usaram perucas de crina de cavalo para se imporem à consideração dos seus concidadãos, nós vivemos em um país totalmente diferente, onde, acima da respeitabilidade imposta pelo formalismo e pelo distanciamento entre servidores públicos e cidadãos, deve estar o respeito a estes últimos, que são o verdadeiro poder.

A apresentação pessoal dos magistrados deve ser a da naturalidade, sem necessidade de vestimentas ou posturas especiais, bastando um terno e gravata ou toga.

Não faz sentido essa pretensa respeitabilidade que humilha os jurisdicionados pobres que batem às portas dos nossos tribunais, na maioria dos casos sem vestimenta nem razoável, ficando na contingência de dirigir-se a uma autoridade tão bem apessoada que lhe constrange a simplicidade e a pobreza.

Sabemos que mais de noventa por cento da população sequer tem recursos financeiros para pagar a passagem de ônibus para ir aos Tribunais e são recebidos de forma enfatuada, engessados em ternos caros ou em togas, que os colocam em posição de inatingibilidade frente à carência financeira dos nossos concidadãos.

Os arrogantes não são tão inteligentes como imaginam. A própria arrogância em si já seria um déficit intelectual, pois tudo na natureza induz à noção de que os seres dependem uns dos outros e nenhum é absoluto.

Getúlio Vargas atendia os cidadãos pessoalmente sem perguntar se eram pessoas de grande prestígio ou cidadãos comuns. Era o chefe da nação, contudo, não era prepotente ou arrogante; o mesmo acontecia com o maior de todos os brasileiros, o eterno presidente dos brasileiros, Juscelino Kubitschek, a expressão maior da humildade. A simplicidade do seu ser encantava a todos.