Letras conjugais

Levava no rosto expressão pesada da tristeza, que era uma alegria sentimental. Feria por um elogio; beliscava-se o companheiro de trabalho que reagia genuinamente com empurrões; mastigava os papéis do divórcio junto com um gole de vinho tinto. Além de se contar que suas ações eram deliberantes exageros. Até agora não se sabia muito bem em que situação se encontrava: estavas triste? Feliz pelo divórcio? Não sei. Acho que tenho que achar que não sei. Dignamente, talvez, dissesse:

-Estou morbidamente triste! Morbidamente triste sem ponto de exclamação - gostavas de caçoar às vezes, com o ponto exclamativo, ou dizia - Estou feliz a ponto de não mais caçoar com o ponto exclamativo!!

Levava agora no rosto, a frieza entrecortante vazia. Minto! Cheia de espanto:

-Sabe daquela Valdomira?

-Sim! Não me diga quê...

-Exatamente! Morreu.

Ele não esperava aquilo. Esta cena resumiria tudo o que precisávamos para completar o perfil psicológico do personagem central desta trama.

-Morreu do quê?

-Encontrara-a no apartamento toda ensanguentada. Suspeitam que tenham sido ladrões. Você a conhecia?

-Nãao. Claro que não!

-Por que teus lábios tremeram quando disse a expressão "claro que não!"?

-É porque ela...

-Fale de uma vez!!

-Ela era...

Neste instante de dois segundos, teu olhar penetrava-se a ligeira emoção em dizer algo importante, por mais que parecesse indizível (pois tudo se aglomerava agora em sequências perceptíveis): muitos falavam que ele a amou muito principalmente após a separação. Era de se duvidar de alguns aspectos relatados no início. Entretanto, o dizer de um Sancho Pança, que mastigava papéis, beliscava o companheiro por estar tristemente alegre, alegre antes, agora triste. Podemos defini-lo como um dos mais altos graus de estudo da psicanálise, ou talvez esteja mesmo em um sonho, na qual isso não passa de uma mera fantasia contada.

(Carlos André)