O dia em que meu primo viu um lobisomen! (Lembranças do quintal da minha avó!)

José Aparecido da Silva, esse é o seu nome. Como todo José Aparecido, familiarmente ficou sendo o “Cido”. Por conta da sua magreza e estatura elevada, o “Cido” virou o “Cidão”!

Éramos todos meninos e o “Cidão” se destacava pela estatura superior á nossa e por não economizar nenhum centavo no trato diário, ao falar palavrões. O “Cidão” era um caso digno de ser estudado por qualquer linguista brasileiro. Os mais velhos da família o tinha como um caso perdido e não de estudo de linguagem. Ele tinha uma capacidade admirável para mandar qualquer ir tomar naquele “bendito” e conhecido lugar. Qualquer entrevero infantil contra seus pares, ele não se fazia de rogado e desfilava o serpentuário próprio de ofensas e palavrões de baixo calão. Como gostava de xingar! Era tão viciado em tratar os outros colegas e amiguinhos desta forma, que xingava até quando não era preciso. A vó Luzia ralhava com ele; sua mãe ralhava com ele; suas tias ralhavam com ele e nada. Qualquer “desentedimentozinho” comum entre crianças, que não levava a lugar nenhum, com ele era dado um tratamento diferente, o tratamento da ofensa e palavrão. Da sua boca constante e insistentemente saía o :” Vai tomar no c...!”; “ Viad...”, “Filho-de-uma- p....”; “C..zão!”, “Seu bo...ta”; “Sua mãe é uma b...cate” e por aí afora!

Estava tão acostumado a xingar que pra ele não tinha dia, não tinha hora, não tinha lugar! Qualquer situação ou coisa que o deixasse chateado bastava pra ele desfiar sua coleção de ofensas e palavrões. Xingava tanto que não respeitava nem a Semana Santa. E a vó Luzia o alertava “__Menino não fale palavrão na Semana Santa, que o “bicho ruim” aparece pra você!”. O conselho entrava por um ouvido e saia pelo outro, sem fazer efeito nenhum naquele

menino. Hoje homem, avalio que era uma forma que ele encontrou pra se defender do mundo após a separação de seus pais, meus tios Feliciano e Francisca.

Deixando de lado esta tese psicológica, voltemos aos fatos sucedidos. Era época de quaresma. Quarenta dias guardados pelos mais velhos em que não se comia carne vermelha, e alguns beatos mais fervorosos, não varria a casa e nem penteava o cabelo. A quaresma, diferente de hoje em dia, a morte e a ressurreição de Cristo, era levado a sério. Nós, as crianças, não sabíamos bem ao certo, se era pecado não brincar na quaresma. Se fosse, nós acreditávamos que era um “pecadozinho”, desses pequeninos que Deus prontamente perdoa, no ínicio do Pai Nosso que Estais no céu, Santificado seja ......

As brincadeiras noturnas era pique-salva, bandeirinha, esconde-esconde, rela-a-mão-tá-pêgo, passar anel, o pera-uva ou maçã. Naquela noite de quaresma do ano de 1975, a brincadeira escolhida foi o esconde-esconde. Através de sorteio cabe ao meu primo “Cidão”, bater a cara no poste, contar até dez e depois sair a procura dos escondidos. Logo que ele encostou a cara no poste, saímos em desabalada carreira á caça de lugar difícil de ser localizados. A casa da minha avó, de número 827, era a segunda casa de um quarteirão, que tinha como frente dessa residência a rua Manoel Pedro de Campos, sendo do mesmo lado, o término deste quarteirão tinha a casa do Seu Apolinário. Fazendo frente á casa do Seu Apolinário, do outro lado da rua era o bar do “Sarito”. Chegando ao final do quarteirão, onde estava localizado a casa do Seu Apolinário, virando á direita, contrariamente ao bar do “Sarito”, na rua Elias Abraão, havia um frondoso pé de sete copas e embaixo dele uma camionete Ford, modelo antigo, daquelas que ainda tinha carroceria de madeira. Por conta de problemas mecânicos fazia um bom tempo que a camionete ali estava estacionada. Ali na sua carroceria de madeira, ou embaixo da camionete era um lugar que quase sempre elegíamos para nos esconder do procura-esconde.

Noite sem lua e naquele tempo a iluminação pública era deficiente. Pois não é que o meu primo “Cidão”, contou até dez e saiu a nossa procura justamente na tal da camionete. Como era um lugar visado pelo procura-esconde, a gente optou por esconder em lugar diferente naquela noite. De onde estávamos presenciamos o primo “Cidão”, se aproximar da camionete, olhar na sua carroceria de madeira á nossa procura e depois se ajoelhar supondo que estávamos escondidos embaixo do carro. O que se sucedeu a seguir trago gravado até hoje na memória. Ao contar o ocorrido, confesso, que ás vezes, ainda sinto um arrepio pelo corpo. Jamais imaginei que tal coisa pudesse acontecer com qualquer um de nós. Vimos quando meu primo ajoelhou-se para nos procurar embaixo da camionete, sendo que em seguida ouvimos o seu grito louco direcionado ao céu, pedindo ajuda: “__MEU DEEEEEUUUUUUS!”

Ficamos estupefatos com aquele grito tão alto, tão apavorante, tão medonho. Por alguns segundos fomos incapazes de sair do lugar onde estávamos. O que quer que ele tivesse visto era algo aterrorizante. Ao dar aquele grito bestial, meu primo saiu correndo alucinado e sem direção. Ele ia louco pelo meio da rua, chorando alto, seguindo em direção diametralmente oposta á casa da nossa vó Luzia. O que quer que ele tenha visto o havia deixado insano. Em meio ainda ao susto provocado por aquele grito de terror, saímos correndo no seu encalço.

O medo parecia ter provido asas aos seus pés. Esforçando, em nossa corrida, muito fomos alcança-lo quase quatro quadras e meia adiante de onde tinha dado o acontecido. Ao ser detido por nossas mãos, ele era incapaz de dizer alguma coisa. Apenas chorava copiosamente.

O soluço, vez por outra, entalava sua garganta. O choro constante, os olhos arregalados, peito arfante, corpo tremendo igual vara verde, ele estava realmente apavorado e sem fala.

Nós o conduzimos até a casa da vó Luzia, onde ela providenciou rapidamente uma água com açúcar e deu para ele beber. Aos poucos ele foi recobrando a calma. Entre um soluço e outro, os olhos cheios de lágrimas, cheio de terror ele nos contou o que viu.

Segundo ele ao se ajoelhar para nos procurar, ele deu de cara com um enorme cachorro negro, cujo olhos era vermelho, de orelhas enormes, dentes afiados, sentado sobre as patas traseiras e que ao ver meu primo de joelhos, fez um gesto com a pata dianteira, chamando-o para ir de encontro a ele. Rapidamente alguém denominou o cachorro: “__O Cidão viu um lobisomen!”

Ficamos todos apavorados e um misto de incredulidade e medo tomou conta de nossas faces.

“UM LOBISOMEN”, “UM LOBISOMEN”, UM LOBISOMEN”! Já tínhamos ouvido falar, mas o Cidão era a primeira pessoa que conhecíamos e tinha visto o tinhoso. Alguém queria ir ver se o bicho ainda estava lá. Faltava coragem a todos os meninos. E ficamos ali no ia ou não ia!

Talvez se um adulto nos acompanhasse. Mas o adulto em questão era minha avó, que ainda estava cuidando do susto do meu primo. E se o lobisomen ainda estivesse lá? Alguém queria arrumar uma cruz para espantar a besta! Outro lembrou que uma bala de prata mata o lobisomen. Mas quem tinha revólver? Ninguém! Uma bala de prata então!!! Só tínhamos visto a tal bala de prata em filmes. A bala era que realmente conhecíamos era a bala de framboesa, de menta, bala sete-belo. Todas elas eram feitas de açúcar!

A aventura de ir ver se o lobisomen ainda estava lá foi substituída pela idéia de montagem de um grupo que se dispôs a ir no outro dia cedo ver se o bicho tinha deixado alguma pegada para seguirmos ou menos comprovarmos sua estadia embaixo da camionete.

Enquanto achávamos essa saída honrosa contra o medo de ir lá conhecer pessoalmente o “demônio” que poderia estar debaixo da camionete, minha Vó Luzia “rezava” um sermão para o meu primo Cidão. “__Isto aconteceu menino porque você tem a boca muito suja! Viu o que é que dar ter a boca suja? Dá nisso! O demônio vem buscar aqueles que tem a boca suja! É esses que ele quer! Esses que falam palavrão ele vem atrás pra levar junto com ele! Você não percebeu que a sua corrida estava te levando em direção ao “cemitérinho”? Pois era pra lá que você estava indo! É lá que ele ia te encontrar!”

A gente ficou chocado com esse conhecimento que a minha Vó Luzia tinha de saber onde o lobisomen morava! Todos nós estávamos pensando que o Cidão estava correndo sem direção alguma, mas depois que a Vó falou onde aquela corrida ia ter o seu destino, achamos que era bem plausível o que ela sabia. O Cidão realmente estava indo em direção ao cemitérinho! Se a gente não tivesse interceptado a sua corrida, hora daquela o lobisomen já tinha levado ele embora! Sem clima pra qualquer outro tipo de brincadeira, a Vó Luzia fez água com açúcar pra todos nós e cada um foi embora para sua casa. Detalhe: Cada um embora pra sua casa pra dormir de luz acesa!