Os desvalores da modernidade

Falamos tanto em nosso dia-a-dia, confeccionamos discursos tão estranhos, complicadas tarefas, mandamos o homem à lua e continuamos a ser atropelados pelos carros que criamos, guiados por nós mesmos, no simples atravessar duma rua; o que nos é pior ainda: dentro da faixa de pedestre.

Temos amado tão pouco, ou quase nada, ao nosso próximo e eu tenho me perguntado: com que cor e que cheiro deixaremos, para nossos filhos, o mundo onde vivemos? Esse mesmo onde desrespeitamos as regras?

Escrevemos textos poluídos, paralelos às verdades difíceis de serem ditas, a frases dúbias, contextos tendenciosos, mais carregados de maldades do que de boas lições.

Temos desertificado nossos passos modernos e apressados, os mesmos que usamos para buscarmos as fortunas, o adultério, a desobediência e tantas outras coisas mais. As veredas, as amplas estradas, as ensombreadas vicinais permanecem como antes; nós é que temos nos metamorfoseado nas tendências do caótico, parecendo-nos estas, condições exigidas para sabermos viver e assim sobrevivermos ao desconstruído.

Até na Literatura tenho observado o espelho desse ranço que nos traz tanto estranhamento: os textos se autocriam ao encher-se do não-classificável em termo de “gênero”. A prosa é poesia e esta é prosa. O romance apresenta-se como carta-denúncia e o ensaio perverte-se como um lindo poema lírico. O homem parece ter encomendado obras diferentes, sem gênero ou misturadas aos velhos textos conhecidos por nós, alardeados pela crítica.

O que tem puxado a carruagem ao “liberô geral” tem sido o convívio entre nós, nem tão doces animais racionais, desqualificadamente classificados por um avesso social de “bicho moderno”, cheio de diferentismos, desajudado por sua própria essência existencialista. Um homem-brinquedo, homem-bomba – cisco de gente.

A fonte da bebida espiritual do homem tem sido nos apresentada fora do lugar convencional. Temos posto as estrelas do céu no bolso e pendurado os peixes do mar em nuvens carregadas de água que passeiam em cima de áridos desertos de terras rachadas e ventos gélidos e que não fazem chover. Têm-se vendido bermudas de linho nos pólos frígidos do planeta, porque se deve usar o que é “fashion”, e não o que naturalmente deveria servir às necessidades básicas do homem. O homem, homem comum e bom.

Se eu dissesse nesta crônica o que mudou no político partidário, meu Deus, chamar-me-iam de “lobisomem de equívocos”. Teria que dizer nela que os morcegos apreciam os passeios ao meio-dia, quando arde qualquer sol e que as palavras servem apenas para esconder a verdade e o voto deve ser idolatrado. Que horror!

Relembrando os meus tempos de seminário Salesiano, e que tempos, e que aula de vida e que remédio para o espírito me foram esses tempos idos! A filosofia, o humanismo tido entre as pessoas, o referencial ético diante do convívio social e profissional, tudo isso estava reunido em um classificado estético, guardião cabido dentro de uma sociedade que, à época, não me parecia tão disforme. Havia um mundo bem menos complexo há pouco mais de trinta anos atrás. Não o vejo mais. Que pena!

Os rumos da humanidade foram desviados do prumo racional. Os bandidos sindicalizam-se, exigem tratos humanitários, enquanto continuam a matar, roubar, denegrir. Os valores ético e moral dos comandantes sociais, tal qual foram o juiz, o médico, o policial, o religioso, estão ultrapassados pelos desvalores de certa anarquia de convívio, que, se não segurarmos suas rédeas, redesenharão um novo figurino de convivência social, uma nova construção de vida, com valores atuais, desvirtuados e inconcebidos aos racionais. Estão nos empurrando para o brejo da desgovernança e fazendo-nos conviver com aquela lendária vaca que já volta do brejo, descabelada e feia para nem poder contar sua história. O homem está se autopervertendo em seus valores mais autênticos. Voltemos então a reconstruir esses nossos valores de ontem, que tanto nos serviam e eram tão humanos e simplórios.