O VAGAROSO JOSÉ

José não tinha o que reclamar da vida, pois fazia dela o que bem entendesse por conveniente. E se alguma reclamação lhe ocorria, ele optava por não fazê-la e assim conservava a sua paz e seguia com os dias. Feliz era ele quando acordava mais cedo do que de costume apenas para ficar mais tempo na cama sem fazer nada.

A sua mãe era ao contrário. Ele não compreendia ser filho dela, Tereza era justamente a pessoa mais sem paciência que ele conhecia, armada sempre com seus gritos agudos para o alvo que frequentemente era ele próprio. Ela implicava com tudo, e para tudo dava ordens. Arrumar a cama todo dia é obrigação começava a sua ladainha diária. Lavou, sujou esbraveja como se estivesse cheia de razão por causa de uma simples pilha de louça suja de uma tarde. E ainda o culpava pelas mortes sequencialmente efusivas de todos os seus seis peixinhos de aquário que tivera em toda vida, como se esses peixes vivessem pra sempre ele dizia em sua defesa, mas sem nunca arriscar-se a ter um animal de estimação maior ou mais trabalhoso. Tereza irritava-se até com a sua higiene pessoal, ele já achava um sacrifício escovar os dentes todos os dias, alguém no seu pé por causa disso só piorava as coisas.

Ele vivia para a sombra e água fresca. Tereza não.

Quando Tereza finalmente repousava e esticava o seu corpo no sofá em frente da televisão com um pote de goiabada para assistir a sua novela predileta, José logo se juntava dela para ajudar a descansar.

José não achava um problema, mas o que sua mãe e todos que o conheciam achavam que o fato dele ter 36 anos e não dar um único indício de esperança de que sairia da casa dos pais. Até que isso não era bem verdade.

– Hoje é segunda-feira, quantas horas adicionais de atraso você quer completar para ir trabalhar? Ou prefere se levantar apenas na hora de voltar? – ironizava a mãe e uma veia no seu pescoço pulava de nervosa.

Sem ajuda alguma, Tereza arrumava toda a casa, e ao mesmo tempo, preparava o almoço. Um articulado trabalho de equilíbrio entre vassouras e fogo.

– Não é estranho que não faça um vento? Assim fica impossível dessa rede balançar – A voz dele era carregada por um tom de morosidade e lentidão.

– Você mesmo podia balançá-la. Já pensou nisso? E pra quê trabalho não é? Você tem que descansar para poder dormir a noite toda – Tereza com um olhar de desdém zombava do filho enquanto varria o chão.

– Ainda é o primeiro dia útil, as encomendas dispõem de uma semana inteiramente novinha para serem entregues – mais uma vez desculpava-se o seu ócio – E quanto ao almoço? Ainda vai demorar?

Frequentemente, José escutava de sua mãe reclamações sobre o serviço que desempenhava nos correios, ela sempre perguntava a respeito de seus colegas e da eficiência do seu departamento. Demasiadamente fadigados era como ela os acusava e para o filho ela cunhava outros adjetivos especiais como Amarelão e Morto-dentro-das-calças.

A maneira de viver de José era simples, nada era tão importante hoje que não pudesse ser feito amanhã ou depois. Urgente mesmo era descansar. A culpa não era dele se as pessoas em plena Era Digital e de outras facilidades optavam por usar cartas ou enviar pacotes desnecessários. Elas mereciam esperar, essa deveria ser a penitência pela criação de trabalho para ele.

– É por isso que falam mal de servidor público – disse Tereza enquanto não parava de lavar, varrer, limpar, espanar, espremer e lustrar o que quer que fosse.

Mas a preguiça de José era tanta que logo desistia dos debates com a mãe e preferia fechar os olhos a ver todo aquele esforço em arrumar todo dia da mesma forma a casa. Pra ele um trabalho inútil que era repetido dia após dia.

– Pra mim você não puxou! Nunca fui lenta, foi para lado do seu pai que você puxou – essa era uma de suas acusações favoritas – um marmanjo que não lava as próprias cuecas! Que mulher que vai aguentar casar contigo?

E a pergunta da sua mãe fez o seu rosto se iluminar. Ele devia ter lhe contado antes, mas não era costume seu fazer esforço para se lembrar das coisas. Com a voz calma e com a banalidade de alguém que pergunta se irá chover no dia ele disse:

– Mãe, eu tenho uma notícia que a senhora vai gostar, estou para me casar.

E pela primeira vez no meio daquele dialogo insólito Tereza largou a vassoura e olhou no rosto do filho com interesse.

– Que brincadeira é essa menino? – José sempre sabia quando ela duvidava de algo, ela apertava a mão com bastante força no quadril como fazia agora, entretanto ela continuo de forma que aparentava estar esperançosa – Quem poderia ser essa mulher?

– Ah... É a Jandira – lembrou-se do porquê de não ter dito com antecedência para a mãe, alem de todo o discurso que previra a possibilidade de fazer, ele tinha decidido postergar ao máximo aquele dialogo – E o bom é que não temos trabalho algum já que está quase tudo pronto – ariscou-o uma piada.

– É a Jandira? – Incrédula apoiou-se no cabo da vassoura – Aquela mesma que o Emanuel engravidou e fugiu do casamento marcado e ninguém mais o encontrou?

– Sim... – ele respondeu e com muito esforço com a intenção de abafar os gritos da mãe ele empurrou com os pés o chão para fazer a rede balançar e fazer algum barulho.

– ÉGUA DO HOMEM PREGUIÇOSO ZÉ! Casa com a mulher grávida do outro só pra não ter o trabalho de fazer o filho!

J Q Moura
Enviado por J Q Moura em 27/12/2013
Reeditado em 27/12/2013
Código do texto: T4627413
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