Seu Nelson

Tomar algumas biritas antes do almoço não faz bem a ninguém. Foi o que eu queria dizer ao seu Nelson quando o vi tropeçando na Alameda Santos às onze horas da manhã. Sei que seu dia havia começado cedo, pois às sete horas lá estava ele na Casa das Rosas, sentado no sofá do terraço, com cara de paisagem - e que ironia - olhando a paisagem!

Quando retornei do almoço, como sempre, parei no mesmo terraço e sentei no sofá. Um sofá para lá estava Nelson, com cara de embiritado - eufemismo de trêbado. Não quis dizer nada, afinal, não sabia de seu humor. Quando fui acender o cigarro ele se aproximou e disse: "posso acender?". Mesmo com o isqueiro na mão, deixei que fizesse a gentileza; com uma certa dificuldade, seja por interferência do vento ou da cachaça, após três tentativas, consegui acender o cigarro.

Mas nada aconteceu. Ele continuava calado, e eu calada também. Procurei meu celular e não achei, mas achei uma lixa e comecei a lixar a unha.

"Posso fazer uma pergunta?"

"Sim!"

"Por que você é tão bonita?"

Ai ai! Só falta! Esses senhores têm o mesmo xaveco furado e parecem que pararam no tempo quando o que interessa é puxar assunto.

"Não, sou gorda" E mostreio diâmetro de meu braço.

" . "

"Na verdade, meu pai e minha mãe..."

"Já vai contar a história da vida inteira, agora ..." Identifiquei facilmente a típica raiva que pessoas um pouco "altas" têm na posição de ouvintes. Bêbado não gosta de ouvir.: gosta de falar.

"... e minha mãe são morenos, cabelos pretos e olhos também. Minha irmã parece meu pai, meu irmão tem olho verde e eu, quando criança, tinha cabelo branco de tão loiro"

"Genes, é essa coisa de genes"

"Sim!"

"Posso te contar a história da minha vida?" Vê? Ele quer é falar.

"Só tenho cinco minutos" E rimos, porque seu Nelson tem o costume de rir muito.

"Sou publicitário, sou melhor que você" Espero que ele tenha dito isso consciente de que passei um semestre na faculdade aprendendo a organizar o tempo. Não só sei usá-lo bem, como também sei descartar conversas inúteis. Mas aquele era Nelson, bêbado, é certo, mas era Nelson.

Daí, em disparada, contou de seus 5 filhos, dos quais um duvida legitimidade. De repente começou a falar de línguas:

"O espanhol aprendi pelas minha viagens, minha tia que morava lá na Espanha. O alemão aprendi por inúmeras razões..."

"Wie gehts?"

"Ei, essa é minha frase!" E rimos mais. "

"Je parle un peu du français, aussi" Apelei

"Não é possível!" Às vezes ele se impressiona com meus superficiais conhecimentos.

E me olhando nos olhos perguntou se eu acreditava nele. Disse que sim, claro, até que se prove que tudo é mentira, acreditarei. Também, se for mentira, isso faz prate do processo de fantasia dele, não meu. Não irá interferir em nada para mim.

"Mas não é mentira!"

"Eu sei."

E contou o começo de sua história de vida.

"No ano de 1900 e lá vai fumaça decidi fazer minha primeira viagem pra fora do Brasil. Fui pra Espanha, mas de navio."

A ênfase no "de navio" se deu porque ele assim escolhera, posto que o preço da passagem de avião era a mesma da de navio. Sua escolha se deu no momento do término de seu casamento, ou seja, o navio lhe serviu de cenário e refúgio. No entanto, foi lá também que conheceu...

"Uma portuguesa?" Falei imitando as lusas.

"Não, Sílvia" E rimos mais! Ele já havia me dito no nosso anterior e primeiro encontro sobre seus 4 casamentos.

Eu já precisava ir e ele não parava de falar. Comentou de um oficial - seu concorrente- o qual tinha apenas 8 horas para conquistar Sílvia e ele tinha 12, afinal não era oficial, e sim tripulante. Nessa vantagem de 4 horas ganhou a moça.

Numa brecha de pausa de respiração, levantei e pedi que me desculpasse, estava já atrasada.

Estendi a mão.

"Foi um prazer" E de fato fora. Ele é um sujeito ou muito interessante ou um sonhador aguçado pelas biritas, mas, apesar de tudo, ele é o Nelson.

Laís Mussarra
Enviado por Laís Mussarra em 25/04/2007
Reeditado em 09/05/2007
Código do texto: T463459