NÓS QUARENTÕES E QUARENTONAS: SERÁ QUE AINDA SOMOS TÃO JOVENS?

Hoje começa a primeira semana completa de 2014. Sem perceber, somos engolidos pelos horários comercial e nobre. Fragmentos de tempo que nos obrigam a sermos trabalhadores-sérios-racionais-livres-profissionais-adultos-conscientes- politicamente-corretos- defensores -de-alguma-coisa- profunda e igualmente séria e necessária a existência do planeta. UFA!!!! Quando é mesmo o carnaval? A páscoa? O feriadão da independência? Nossa Senhora Aparecida? Será que aguentamos até o feriado de Finados? Aí, tomara que chegue logo o Natal e o Reveillon...

Enquanto escrevo, Renato Russo canta o trecho de "Tempo Perdido": "somos tão jovens, tão jovens, tão jovens..." E de repente, o cara de 17 anos, a quem dei doses maciças de barbitúricos para que ele não atrapalhasse o meu lado sério e comprometido com a vida, acordou muito puto e perguntou quase cuspindo minha cara: " Ei, peraí, será que não dá pra ser feliz ? Tipo aquele funk ou rap, sei lá, aquela música que canta assim: eu só quero é ser feliz, andar tranquilamente na favela onde eu nasci ?" Tento distraí-lo com o olhar enquanto, sutilmente, minha mão busca a fluoxetina na gaveta. Ele é mais rápido e segura minha mão: " Não, não não... Sem Prozac e sem Projac... Ser feliz sem drogas não é uma campanha direcionada só pra maconheiro não. Para com esta cafonice de reeditar os grupos de risco. Não deu pra perceber ainda que somos todos humanos e por isto monstruosos e sublimes?

To falando de ser feliz com coisas simples e você já quer me empanturrar de lexotan? Eu não estou propondo o fim da família, da religião e da propriedade privada, também não estou sugerindo uma doutrina aceta e moralista sobre os deveres daqueles que querem ser feliz. Mania feia esta tua de achar que pra ser feliz é preciso levantar uma bandeira e sair por aí rodopiando feito uma porta bandeira que errou na dose dos antidepressivos! Calma lá cara, pode-se muito bem ser feliz sem preencher uma ficha de partido ou uma cadernetinha de dízimo. Será que você não percebeu que tem muito credo pra pouco Pai Nosso?"

Não escrevo por auto-piedade, desejo-secreto, de encontrar alguém que me diga: "Jesus tem uma bela missão para você". Nem escrevo por rebeldia-burra querendo criar meu próprio partido. Escrevo tateando dentro das minhas escuridões, buscando encontrar os fragmentos de mim que se misturaram aos fragmentos de todos nós que tivemos a chance de ouvir Legião Urbana cantando nas rádios populares e como bobos tentamos congelar o tempo... Nós que eramos tão jovens envelhecemos tão rápido... E sem perceber, nos tornamos a geração mais pretensiosa da história. Caricatura de cera de Luiz XIV exposta ao sol desta linda nova juventude, derretemos de inveja e gritamos: "a juventude sou eu" ou "depois de nós o dilúvio"...

Nos permitimos envelhecer rapidamente, não na estética, mas nos pensamentos. Somos a única geração da história que tem a pele do Justin Bieber e a mentalidade do Lord Voldemor.

Logo nós que passamos anos e mais anos sob a tutela de João Paulo II ousamos falar desta nova linda juventude que já assistiu a morte de um papa, a renuncia de outro e a chegada de Francisco. Viu os ataques ao World Trade Center em tempo real, assimilou o fim do heroísmo norte-americano, conheceu a Europa decadente e falida, viu a China se tornar um gigante capitalista e o Chê Guevara se converter a estampa de camiseta "dahora"... Eles assimilavam enquanto nós, assistíamos tentando buscar respostas velhas para o que era e é novo.

Quem somos nós para falar de experiência de vida? Pera lá gente... Hello, nós somos a geração coca-cola, esqueceram?

Nós que devoramos Pessoa, Bandeira, Freud, Nietzsche, Proust, Lispector num ilusório banquete intelectual, acabamos por desenvolver cérebros obesos mórbidos que tem dificuldade para acompanhar a rapidez de pensamento deste pessoalzinho que aprendeu pelas janelas do mundo:conversando. Exatamente como faziam Platão e seus efebos... Tudo bem se as vezes confundem Kafta com Kafka... Mas é assim errando, perguntando, dizendo o que pensa e tentando desvendar o que é fake. É assim que se apresentam, e assim que se reinventam. Bem diferente de nós, que patinamos sobre certezas e gaguejamos diante do que é novo...

Amigos, a curiosidade não matou o gato, como nos contaram, pelo contrário o tornou mais belo.

Talvez por isto, hoje eu tenha enterrado definitivamente Elis Regina no cemitério, ou melhor, talvez por isto eu tenha arquivado Elis Regina numa pasta qualquer do meu cérebro, e com ela foram juntos uma série de pensamentos e palavras, atos e omissões, que durante a vida inteira cultivei como sacrossanto valores... De vez em quando é preciso abrir espaço no hardware, limpar o sistema, baixar aplicativos mentais e agilidade dos novos softwares...

Não, não somos como os nossos pais... Somos muito mais pretensiosos. Acreditamos na eternidade do pretérito, quando deveríamos estar aprendendo com a nova juventude... Não somos nós quem ensinaremos os velhos valores cartesianos e desbotados. Precisamos é aprender com ela a capacidade de enxergar a complexidade da vida com olhos livres e perceber que dinheiro demais pode até nos dar conforto, mas não dá o bônus da paz, e ainda corre-se o risco de travar a tranquilidade.

E quem não está tranquilo não entende que a ternura, o amor, o sexo e a paixão são os nutrientes da vida...

O problema não é a juventude atual, nem os nossos quarenta e poucos anos, mas a nossa juventude que ficou lá nos anos 80 e 90... Talvez deixar-se apaixonar seja uma forma de resgate... Parar cultuar o exagerado Cazuza e aprender as canções de Julieta Venegas, porque também o mundo não se resume a Anita e ao seu Bonde de poderosas... Sempre haverá espaço pra poesia, basta ter calma para buscá-la.

Agora eu vou dormir mesmo depois de duas canecas de café. Ah! Quero que 2014 passe lentamente para que eu possa experimentar cada mês como um gomo deste ano que promete ter sabor de fruta mordida... Rsrsrsrsrsrs Acabei citando Cazuza, mas tudo bem tá no contexto.