Do amor e outras providências

Calafrios! Foi isso que eu senti: calafrios. Senti calafrios quando o defeito dela chegou ao meu lado. Não foi nada tão normal e bom como eu imaginei que seria, sonhando acordado na noite anterior. Mas, foi seco e fiquei perdido, me perdi do mundo e do tempo, e me perdi em seu perfume, em seu beijo: o meu primeiro beijo.

Acho que ela já era experiente, ao menos demonstrava ser, pois, me deixou sem jeito quando teve a iniciativa que toda mulher ou menina espera de um homem apaixonado. E eu era apaixonado, e mesmo sem saber o que era paixão, eu me cativei por ela. Alguns meses depois, eu a esqueci. Paixãozite aguda, que logo acaba e que nunca passa.

Talvez todas as pessoas desse mundo romântico saberão que o primeiro sentimento bom não dura tanto tempo assim, e é apenas a porta de entrada para o amor, que um dia irá durar para sempre.

Nunca mais a vi. A última notícia que tive daquela primeira paixão foi a de que se casou e se separou, mas casou novamente. Ela com certeza não se lembrará de mim. Mas não me importo, eu me lembro daquele dia em que ela abriu as portas da minha covardia.

Depois de então conheci outros lábios e outros defeitos. Confundi-me entre amizades e namoricos que não eram para acontecer. Suspirei e me entreguei a corações que não mereciam e até derrubei lágrimas por uma solidão desvairada e desesperada. Passou.

Até que encontrei o prometido sentimento eterno, aquele mesmo que ouvi dizer em histórias de contos de fadas e livros que ninguém lê. O amor acontece, e comigo aconteceu lá pelo século passado. Encontrei-a numa festa boba do meu coração, que acordou em um dia nublado e quis-te ter. Desde aquele dia meus conceitos mudaram, e os dela também se esqueceram.

Menina bela, tão bela e inteligente. Conhecia como ninguém os meus segredos, e revelou até as minhas doces artes de enfrentar o mundo sem medo algum. Ela me mostrou que é importante ter medo, pois, o medo te da uma sensação de liberdade, depois de enfrentá-los. Lembrei-me do meu primeiro beijo, na verdade o esqueci. Pois, com ela, eu realmente comecei a viver.

Juntamos os trapos, os corações, as nossas rotinas. Passamos um bom tempo planejando como seria a nossa longa estrada, cheia de flores, pedras, montanhas e pensamentos positivos. Talvez tenha sido esse o nosso combustível para ainda, depois de cinco décadas, conseguirmos nos cativar por nosso olhar.

Não conquistamos tudo o que planejamos, não. Mas, entre todos nossos mirabolantes planos, não constava viver tanto tempo ao lado de uma pessoa. Vivemos juntos. E ela partiu. Não faz muito tempo, talvez 2 ou 3 anos. Talvez 2 ou 3 séculos, ou meses, horas. Talvez ela ainda esteja aqui.

Me conforta saber que irei de encontrá-la em breve, em qualquer lugar por aí. Enquanto isso, eu tento decifrar os pensamentos da atual juventude, que, infelizmente, não sabe o que é ter medos e sentimentos.

Sentei-me na praça, no mesmo lugar onde meu coração festejou a chegada do eterno, ainda na época do preto e branco. Tenho vontade de mostrar registros daqueles dias ao casal de enamorados que está no outro banco, mas aqueles fatos estão guardados apenas em minhas memórias. Certamente o menino de 13 anos e a garota de 12 não irão ouvir um velho romancista do século passado.

Então, deixo que o tempo cure as minhas dores. Deixo que o tempo apresente ao mundo o medo, o primeiro beijo, a paixão, a solidão, a sensatez e o amor, que, para quem ainda acreditar, durará para sempre e depois da eternidade... E depois...E depois...

Kallil Dib – Jornalista

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Kallil Dib
Enviado por Kallil Dib em 08/01/2014
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