A Confirmação

Há muito mais coisa entre o céu e a terra, que pode supor tua vã filosofia. A histórica e celebre frase é do poeta e dramaturgo inglês, William Shakespeare, que viveu no século XV, mas que é tão atual e profunda, que a tomarei emprestada aqui; posto que deve trazer à reflexão todo aquele que se entende sabedor de tudo e professor deste tudo e mais do que for possível sobrar; e que, por isto, não se permite conhecer de fato um pouco do que há entre o céu e a terra, e não sai da escuridão - muito menos é capaz de oportunizar a Luz ao seu semelhante.

Quando escrevia O Xamã, texto anterior onde narro o primeiro encontro que tive com o Montanha, algumas perguntas, sobre o que me ocorreu naquele dia, não saiam da minha cabeça até resolver voltar à Eco-vila da Mata, para esclarecer alguns pontos que me fugiam a capacidade de compreendê-los sem uma explicação apropriada.

Deixando de lado os detalhes da recepção, sempre carinhosa, do atencioso Waldo, e da Marisa, fundadores do lugar onde se encontra o homem, assim como da Rayssa, do João Olavo, e da Mariana, filha do Waldo, lhe faço saber que quando cheguei, o Montanha, que sabia que eu estava a caminho, já me aguardava com a tenda armada. Ele que estava de malas prontas para uma viagem à Paraíba.

Então, pensando eu que a decisão era minha, depois de relutar em fazer a segunda sessão devido ao estado de letargia com que cheguei em casa, depois da anterior, o que deixara a família de minha esposa, preocupada, esta que é toda formada de evangélicos, me dirigi à cobertura, e pimba: depois de dois dedos de prosa, lá estava eu andando dentro duma mata, selva pura, e eis que, ao chegar a um clarão, me vejo rodeado de índios, todos com arcos e flechas, a me ameaçar com seus equipamentos de guerra e caça, mas que, de repente, e todos com ar de cordialidade, me conduziam a outra clareira, onde um círculo de ocas se encontrava, tendo uma destas sido oferecida à minha pousada. Onde uma fila deles se formou para se consultar comigo. Ou ouvir minhas histórias, quem sabe.

O Montanha à minha volta entoava, ora cânticos, ora uma história, que eu ouvia e que meio que se misturava com minha viajem mas que em momento algum me trouxe à realidade interrompendo o meu êxtase.

Muita coisa aconteceu durante minha estada naquela selva, que não narrarei aqui para não lhe sacrificar tanto o tempo com a leitura. Mas você precisa saber que ao me sentir abafado com o calor e está me dirigindo a um lago nas imediações do terreiro, em busca de me refrescar, percebo no pescoço, antes um pano molhado, em seguida uma ducha d’água fresca cabeça abaixo. Era o Xamã, ou Montanha, me molhando como quem recebeu, naquela exata hora, o aviso de alguém: Olha, ele está com calor; ele não pode sentir calor, que passa mal – numa mistura louca de transe, e subconsciente, com realidade, já que de fato não posso sentir calor devido aos meus pros fechados, dado a tetraplegia, o que me ocasiona uma incomodativa falta de ar.  Mas, apesar dum leve despertar, lá estava eu de volta à tribo, quando vejo minha esposa, de quem não pude perceber o semblante, andando entre uma fila de índios. Estava vindo viver conosco na selva.

Firme no seu ritual, o Montanha seguia supondo eu que sem imaginar para onde eu havia me transportado, e certa hora o ouvi falando, se não me engano, num menino da cadeira-de-rodas, que lhe passava certa mensagem. Da qual não percebi detalhes, pois nessa hora me encontrava perdido na mata, querendo voltar para a "civilização", mas que, sem encontrar o caminho, retornava para a oca, quando pude perceber, tanto em mim quanto na minha esposa, nossas cabeças completamente tomadas de cabelos brancos.

Até este momento nada foi dito por ele que coincidisse com o que eu estava vivendo naquela viajem – além da sintonia do calor na tribo, com a água sobre mim, na realidade. E, do nada, do nada uma ova, do TUDO, ele fala o ÍNDIO alguma coisa, o INDÍO outra coisa, o ÍNDIO NA MATA. E tudo com extrema pertinência com o que eu vivia lá. No momento, como a experiência é um divisivo de consciência e inconsciência, quase pulo da cadeira.

Um tempinho à frete sou despertando por ele, que me pede alguma coisa da qual não recordo bem, mas que acho que algo sobre se enxugue. Ou, enxugue o rosto. Em seguida, depois de falarmos sobre algumas coisas da qual realmente não rememoro, ele me manda escolher uma carta de tarot, sobre a mesa, onde, sem perceber, puxo duas.

Uma delas falava sobre mim exclusivamente. E da qual não discorrerei. Mas não que se trate de algo ruim. Não. - Até que me põe num patamar espiritual, do qual não me sinto merecedor, muito bom. Mas por não querer esticar deveras demais o texto. A outra carta, se é que é possível, se dividiu entre nós dois. Pude notar isso no seu rosto, enquanto observava ele meio que retrocedendo o pensamento ao que eu lhe dissera tanto na chegada à tenda acerca do que ele me oportunizou na sessão passada, e da sua tarefa, quanto imediatamente ao despertar daquela, sobre o tratamento dos índios para comigo. Era A Morte do Xamã.

Talvez você esteja com pressa, ou tem um compromisso, agora ou perto disso; ou mesmo está na hora da sua novela, do filme preferido ou, quem sabe, tem um papo marcado, do tipo, jogar conversa fora, mas que você quer ser o dono da primeira piada. Eu sei. Mas como não parar para avaliar que, mesmo estando nós no século XXI, no século da tecnologia, a mais avançada; na era do conhecimento das coisas, onde se operar o coração dum feto no ventre da mãe é coisa do passado, o homem ainda busca se encontrar e descobre coisas como esta que você está lendo, e que de engraçado não tem nada?!

- Claro que eu sei que você tem sua religião. E não estou querendo desviá-lo/a de sua crença. Mas também sei que no Evangelho, onde talvez você tenha seu berço, também já se há dito que Examinai de tudo, e retende o que é bom. (1ª Tessalonicenses, 5.21). E, até aqui, nada foi visto, e não só por este par de olhos perfeitos que me norteiam nesta narrativa, mas também por minha alma, agora mais leve, que me apontasse estranheza alguma ao que é bom.

E agora que seu papo com os amigos, ou sua novela preferida, deu lugar à sua sabedoria, vou te contar o que vem a ser a Morte do Xamã, e o que, na verdade, fui fazer na Eco-vila da Mata – que não tem nada a ver com a mata onde eu estava durante o êxtase.  – Fui só, como mero menssageiro, para que o Montanha – que com sua humildade maior que uma montanha se diz um mero aprendiz, como é o peculiar dos sábios -, tivesse confirmado que sua tarefa é bem maior que ele pode imaginar. Que ele pode, talvez, ter sido, um dia, o maior dos pecadores mas que o compromisso não é dele para com o Cosmos, mas do Cosmos para com ele.  Por que, como se diz na gíria, de cara, sem tomar ou fumar seja lá o que for e que o ritual permite, agenciar, ou ser o canalizador da experiência que vivi ali, e fechá-la na sintonia com que se fechou, não é para um com quem o Criador das Coisas não tenha compromisso. Mas bem o contrario.

Em suma, neste caso, a Morte do Xamã pode representar - além de significar mesmo a confirmação do que vivi na sessão anterior, descrita em “O Xamã”, onde me vi inspirando Saber e expirando o que defini como lixo, me trazendo a um novo pensar sobre os mistérios da vida -, não só um resultado voltado à mim, mas um significado extensivo ao próprio Montanha, que pode ter experimentado naquele momento, ao que me pareceu, a morte do que não sei explicar, e um renascimento que explico menos ainda. Mas que lhe causou uma reação, que não passou ao largo da minha pessoa, ao me ouvir dizer que a carta, da qual ainda não sabia o significado, era oferecida a ele. Talvez o que explique eu o ter apontado como à um com quem se há um compromisso, e não em contrario, ainda que não se entenda merecedor da missão, ou capaz dela. Sendo Xamã, ou se estando na estrada a caminho de o ser. Ou ser outra divindade que seja que agencia o saber às pessoas e as livra da escuridão.

Assim, mas não sem considerar que me sinto como quem morreu dum tempo e renasceu para outro, aqui lembrado a você que me lê, da frase que abre esta narrativa e que deve ser mesmo reflexiva para quem pensa saber de tudo, dos mistérios que nos rodeia, deixo também registrado do meu pensar sobre o que se há de escrito, sim, acerca de se Examinar de tudo, mas reter só o que for Bom...