Conversando com o anjo



Conversando com o anjo


Amigo leitor,hoje acordei lembrando de uma letra de música dos tempos de minha juventude que dizia ,assim:”Tem dias que a gente se sente como quem partiu ou morreu”...O grande Chico Buarque a escreveu durante os anos mais verdes de sua vida e,somente,agora,sou assaltado por estas divagações existenciais.Teria sido o compositor um prematuro ancião ou teria eu prolongado minha infância ?
Súbito,parecia-me que o verdadeiro sentido desaparecera,restando um monumental nada.A vida seria a maior farsa que o grande Pensador,manipulando os divinos cordéis,submetia a todos e a tudo a seus cruéis ditames.Verifiquei,enternecido,que a borboleta que,lentamente,se contorcia para sair do casulo,morrera sem obter a sonhada liberdade.O pé de maracujá que,carinhosamente,regava,aguardando seus frutos doces,fora,insensivelmente,devorado pelas lagartas esfaimadas.Restava,apenas,a minha frente,um único fruto pendente duma arvore...
Uma sombra estranha,privou-me dos raios de sol por uns segundos,acompanhada de um cheiro de naftalina...
Ah!Antevi quem havia chegado:Meu amigo,o anjo Osvaldo.Ele passara mais de três anos ausente,dormindo em sótãos alheios,perdido em suas lembranças.Cuidei de não trazer-lhe a memória de fatos indignos como o roubo da comida de Maria,mas o ato heróico ao deparar com o capeta e curar-lhe dos lancinantes sofrimentos,atenuavam a culpa.Percebendo o meu penoso estado em que estava prestes a fugir da vida,vivo ileso,simplesmente,rebelando-me contra o infame manipulador de cordéis ,o velho anjo maltrapilho,parecendo velho guarda chuva roto pelo tempo,citou o grande filosofo Schopenhauer;”Amigo,a vida não foi feita para ser aproveitada,mas para ser suportada e despachada.”..
Pensei com meus poucos botões da camisa;Tanto o Schopenhauer,quando meu amigo serafim aposentado são de um pessimismo amargo!
Antes que concluísse meus pensamentos,o anjo Osvaldo apontou para a arvore com fruto solitário e vaticinou:”Amigo meu,acalma suas angústias,pois,aquela é a arvore do silêncio,e quando aquele fruto tombar,nascerá a paz...”
Prezado leitor,aviste de sua janela ,a arvore da harmonia,ela fica sempre a sua direita com seu único fruto pendente...
Pouco a pouco,os ventos outonais começaram a balançar arbustos,arrancar folhas amarelas e,quando olhei,percebi que o fruto estava caído no solo,aberto,mostrando inúmeras sementes.
A paz permeou todo meu Ser e o anjo Osvaldo colocando seus braços emagrecidos sobre meus ombros,confidenciou-me;O Schopenhauer disse;’O Homem é metafísico,mas,eu digo,aquela pedra,aquele grilo sobre a folha de Pajurá também são metafísicos”...
Lá,bem do alto,vindo dos lados da estrela Aldebaran,uma risadinha foi ouvida...


nota do autor;Para quem não conhece o meu amigo anjo Osvaldo,convido ler alguns textos em cordel sobre incorrigível serafim; "O anjo Osvaldo e o padre Ananias","O anjo Osvaldo e a comida de Maria", "O anjo Osvaldo e a virgem do Nilo" etc