Vida real

Eu hoje li que cientistas americanos inventaram uma supercola para remendar o coração. Fiquei feliz com a notícia, e na hora pensei no Velho Quixote, no amargo Bentinho, nos Montéquios e seus pares. Pensei também no exageradamente apaixonado Morais e em tantos outros, mortais ou não, aficionados pela arte de “pra machucar o coração”.

Acho que foi uma invenção inovadora e que, certamente, veio em hora certa. Caso já tivesse sido inventada, seriam muitas as musicas e casos amorosos que perderiam todo o glamour que carregam. Já pensou? De que adiantaria Scott cantar “I love you, but nothing in this world could make you mine”, se ele simplesmente podeira remendar o coração triste e partido, sem amargura nem nada? E os boleros dolorosos? “Dicen que La distância”...

Claro, algumas célebres passagens literárias seriam facilmente coladas, dando a impressão de serem apenas frescuras sentimentais. Que diria Lobo Antunes aos seus leitores se Memória de Elefante não carregasse toda a amargura que torna o livro memorável? Uma colinha aqui, um pinguinho ali e Pum! Tudo concertado.

Bem, no fim das contas eu acho que não preciso me preocupar com a tal supercola. Ela somente é usada para casos reais. Mas aqueles que imitam a realidade, musicas, versos, romances, tristes pichações, estes terão de se contentar em serem tristes, perenes e inconsolavelmente bonitos. Melhor assim, melhor.