De onde vem a calma

É aquele sacrifício fingir pro cara que você nem repara nos esforços que ele faz. É um sacrifício, mas a gente se sacrifica. Conta até 10 pra pegar o celular e atender o telefonema. Conta no relógio o tempo que ele demora pra responder uma mensagem e demora o dobro pra enviar outra coisa. Ele elogia e a gente se faz de surda, só pra não passar pelo papelão de ter de ser recíproca no elogio e entregar as cartas. Tudo isso, claro, pensando que estamos nos protegendo.

Mas existe um momento crucial, que fica explícito quase como uma epifania, de que você, finalmente, pode confiar seus sentimentos. De que você pode, enfim, falar o quão bonitos são os olhos dele. Ou como você gosta do jeito desajeitado que ele tem de tocar violão. Existe até um momento pra dizer que ele tem um dom pra descombinar roupas. E dizer essas coisas te liberta, claro. Era um pássaro feliz dentro do teu peito, que resmungava, e agora pode voar.

Ironicamente, é a partir daí que as coisas começam a dar errado. Ao menos pra mim, é onde o buraco negro me engole e eu naufrago. Não que eu pudesse explicar, mas se eu pudesse, diria que a voz do poeta tem razão ao dizer que “a gente sempre deixa de cuidar do que já tem na mão”.

Se você continua comigo, devo explicar que não passa de um mero clichê textual, mas também preciso dizer o apreço que tenho pelos clichês, que coitados, perdem o crédito por rondarem sempre as más bocas.

Porém, alheia à toda essa discursiva clichê, minha opinião é controvérsia: acredito cegamente que das tantas coisas que se pode desistir na vida, desistir do amor que sentimos não se encaixa nos padrões. Não me é humanamente cabível revogar a única coisa que nos difere — porque somente o homem é intrínseco à capacidade de amar — e nos assemelha dos animais “irracionais” — a irracionalidade é a pontinha do iceberg do instinto.

Ah, o amor

Lorena Trevisanuto
Enviado por Lorena Trevisanuto em 16/01/2014
Reeditado em 16/01/2014
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