Tuas mãos, onde estão?

E essa onda de raios que anda assolando o Brasil não está fácil. Não bastasse atingir pessoas, objetos e animais, agora nem mesmo as Divindades escapam. Hoje, em mais um dia de fortes chuvas, um raio fulminou impunemente a mão direita do Cristo Redentor.

Ele lá, braços abertos, querendo abraçar, ou esperando um abraço do mundo, e de repente aquele estrondo. Logo agora, que o mundo precisa tanto de seu afago, de uma mãozinha? Como ficarão as preces, as novenas, os joelhos ralados, as penitências?

E pensando aqui, pelos mortais, nem sei mesmo como é o lado dele. Talvez esteja gritando do dor, lamentando que não possa juntar as mãos numa reza, orar por essa gente miúda e humilde, rude e insatisfeita, um tanto inconstante e contraditória. Daí, desce cabisbaixo de sua montanha e vai "aonde Deus não faz morada", cuidar de seu ferimento num posto de saúde.

Posso imaginar, depois de muitas horas na fila, com a mão ferida, raio ou estigma?, vai até um enfermeiro e pergunta: - "Ainda vai demorar? Estou ferido, preciso de cuidados". Por sua vez o rapaz, educadamente, diz: - "aí, mermão, ta achando que é o Jezuiz? Furando fila, tumultuando; espera tua hora e não amola!".

Então, ele, triste e sem ação, fala com um fio de voz: - "Mas eu sou Je...", mas o homem já havia virado as costas.

É, o nazareno verá que o mundo é amargo demais, e que precisa muito de sua ajuda. Talvez chore um pouco, peça mais desculpas ao Pai, e se esqueça de subir e passar tanto tempo lá em cima, olhando tudo de tão distante.

Enquanto que eu só peço, e espero, que ele se recupere logo, para que possa conduzir com mãos firmes este mundo tão iludido e fragmentado, ansioso pelo juízo, mesmo que seja o final.

É tarde, e ele, já com um curativo na mão, sai lentamente do posto médico. Raios pipocam por todas as direções. Ele se encolhe, protegendo as mãos. Melhor aguardar mais um pouco para decidir o que fazer.