MULHER INDÍGENA E A ARTE MUSICAL

A arte e cultura indígena, estão presentes em cada canto, em cada atitude, está relacionada com o cotidiano das pessoas. E dentro da questão indígena, ela é logo percebida, na forma de vestir-se, na pintura corporal, nas danças ritualísticas, na música que traz uma mensagem de valorização e respeito a cultura, a natureza, relacionada com a vivência, com a mitologia, com a crença. A música se une a dança, e normalmente são as mulheres que buscam criar e recriar a cultura através da dança e da música.

Para o povo Omágua/Kambeba territorializados no Amazonas, a música e a dança tornam-se importante pois, através dela é possível mostrar não só a arte, mas a identidade e a cultura desse povo, desde séculos passados (XVI, XVII, XVIII até o XXI) a música tem a função de ligar o indígena ao mundo sobrenatural, através dos rituais, servindo ainda como cura espiritual, pois com cantos o pajé espanta espírito mau. A dança unida a música retrata a uma cultura que vem sendo transmitida de geração a geração através da oralidade. São as vozes das mulheres indígenas que são levadas como flor de samaumeira e ganham força, e se enraízam gerando uma forma de conscientização sobre a importância desse povo e dos povos indígenas para a Amazônia e para o Brasil.

Na dança, cada passo tem uma mensagem, tem um porquê de existir, expressam sentimento, chamam animais, que são sagrados como a galinha, a preguiça, o boto, e seres sobrenaturais como o Curupira, Matinta Pereira, para fazerem parte da festa. A dança na cultura indígena pode ser realizada individualmente ou unidos em grupo, não se dança em pares, como na cultura não indígena, se existe, são em poucas exceções.

O povo Omágua/Kambeba dança sempre em grupo, em círculos, unidos pelas mãos, é uma forma de mostrar a união, a força, a igualdade do povo, que resistiu ao processo de dizimação em séculos passados, é ainda uma forma que o povo Omágua/Kambeba encontrou de ter um fácil acesso a comunicação, por isso, em sua aldeia as casas obedecem o mesmo processo de círculo.

A arte se manifesta ainda nos instrumentos musicais, usando bambu, os indígenas confeccionam seus instrumentos como flautas de cariçu, tidas por muitas etnias como a “flauta sagrada”, serve como acompanhamento das músicas, tocadas pelos homens da aldeia, com a pele de animais como porco do mato, viado, caititu unido a madeira confeccionam tambor usado nos rituais, por isso os indígenas tem um respeito com o Tambor e acredita que os espíritos da mata estão contidos nele como Caruana Chuíra.

Com a semente da seringa fazem o chocalho que dá uma sonoridade comparado ao som de água, a cuia é usada para chocalho, enfim, cada povo, cada etnia tem seus instrumentos próprios, os quais também servem como elemento de comunicação, identitário, onde a natureza está sempre presente na vivência indígena. A relação dos indígenas com a terra, com a natureza, é uma relação visceral, por isso, a importância do território para a manutenção da cultura, da vida indígena.

Hoje, as mulheres indígenas, de modo particular, as que vivem na cidade, desenvolvem um trabalho cultural onde a música e a dança na língua indígena são levados ao mundo, com elas levam a sua própria etnia, sem vergonha de mostrar sua cara, sua voz. Mesmo que ainda sejam vítimas do preconceito que ainda é presença e torna-se um dos entraves, se não o principal, para a divulgação da cultura e do valor dos povos indígenas, como povo cultural, diferente étnico, cultural e socialmente dos não indígenas.

Antes a mulher indígena não ocupava cargos de liderança, levando em conta o fato de ser mulher, uma vez que para muitas etnias a mulher vivia para a família, para a agricultura, mas eram elas as responsáveis pelos mitos e lendas, consideradas as guardiãs da cultura, das memórias indígenas. Aos poucos a mulher foi ganhando seu espaço como liderança indígena, na aldeia do povo Omágua/Kambeba a mulher é quem lidera a aldeia considerada como Tuxaua ou Zana do povo, é ela quem toma decisões importantes relacionadas ao bem comum dos indígenas.

Portanto a música, a dança e a poesia indígena é uma forma de vitrine para que o mundo conheça a cultura e arte indígena. Através da música’, da dança e da poesia o indígena manifesta sua forma de ser e pensar o seu mundo, sua vivência, uma vez que a cultura não é estanque, mas se refaz a cada dia. A música e a poesia na voz da mulher indígena, é uma forma de aos poucos ir desvelando a cara, a voz, a cultura de um povo, mostrando seu real valor.

Percebe-se que aos poucos a sociedade vai dando espaço para que o canto indígena ecoe na rytama (aldeia) do “branco”, elementos musicais não indígena são incorporados ao arranjo musical de grupos que buscam levar a mensagem indígena através da música como o violão. Deixar a aldeia para viver na cidade, não anula no indivíduo a identidade, a afirmação e o povo do qual ele ou ela é porta-voz. Assim, a arte indígena está presente na cultura urbana e vice-versa de forma direta e indireta, uma vez que há uma ligação entre os dois universos indígena e não indígena, o que separa é o preconceito que ainda é presente em nossa sociedade.

E unidos em uma grande celebração, os povos indígenas dançam o orgulho de serem representantes de uma nação, com seu canto vem dizer: formamos uma aldeia de irmãos. (trecho do meu poema Território Ancestral, livro Ay Kakyri Tama).

Caruana Chuira: energia que vem dos espíritos que protegem a mata.

Texto: Márcia Wayna Kambeba

Márcia Wayna Kambeba
Enviado por Márcia Wayna Kambeba em 20/01/2014
Reeditado em 20/01/2014
Código do texto: T4657665
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