O porto real e o imaginado

Na orla do canal do Mar Pequeno, próximo de onde hoje temos a Concha Acústica, vemos resquícios de um dos atracadouros do extinto e antigo Porto de Iguape. Duas baixas colunas feitas em pedra e dispostas em paralelos, recentemente restauradas, testemunham silenciosamente sua existência e seu uso em passado remoto. Tais ruínas, preciosas provas históricas do porto que houve em Iguape, estão em nossa visão. Ao “desaparecimento” desse Porto de Iguape associam-se algumas causas, entre elas a diminuição da produção regional de arroz, a dificuldade que havia para se atingir o porto e o assoreamento do canal em razão da abertura do Valo Grande. O calado das embarcações aumentava e a profundidade do Mar Pequeno e de sua barra diminuía.

Circulam muitos rumores relativos à construção de um novo porto em Iguape. “Fato” comum entre eles é que tal porto atenderia ao excesso de demanda nos portos de Santos e Paranaguá. Porém, a lógica do capital é imperiosa; aporta apenas onde houver forte possibilidade de retorno financeiro. Se os custos de amortização dos investimentos e de operação, ainda que projetados, não seduzirem os investidores, tudo não passará de mera especulação. Em regiões com forte produção local ou com alto valor adicionado (refinamento de combustível e processamento de minérios, por exemplo), é natural que haja portos que são, na maioria das vezes, escoadouros daquela produção. Entretanto, sabemos o quanto é diminuta e de baixo valor comercial a produção do Vale do Ribeira. Lógico é supor que, para a operação de um porto que seja distante de zonas produtivas ou de alta rentabilização, haja fácil acesso a estradas, ferrovias e hidrovias, de tal forma compatíveis para o transporte das cargas entre as regiões produtivas e/ou consumidoras, visando atingir o porto.

Até o momento, não há qualquer manifestação formal pelos poderes públicos (em seus orçamentos) pela consecução de tal “projeto”, na parte que lhes seria de responsabilidade. Um caminho existente seria o uso de capitais exclusivamente privados; se desta natureza forem tais investimentos, por que não haveria sequer uma agência reguladora do governo ciente dos “estudos” e tampouco previsão legal, em regime de PPP - Parceira Público Privada? Poucas são as PPPs que estão “tomando forma”; e apenas porque, por enquanto, a legislação ainda é precária, pendente de regulamentação até mesmo em relação ao Governo Federal. O que dizer, então, quanto ao Estadual e Municipal?

Fator decisivo para a localização de um porto é a existência de canal com profundidade compatível com o calado dos navios que nele aportarão, além de formação geológica costeira adequada para dragagens periódicas e sucessivas. Tal manutenção, de forte impacto ambiental, acontece na maioria os portos existentes. Assim, e a mais, restrições ambientais existem e serão determinantes para tal “projeto”. O “assunto” tem sido tratado de forma sensacionalista, abordando as “vantagens” de um porto em Iguape, como se a redenção da economia local estivesse nesse “projeto”. Enfim, surgem “Salvadores da Pátria” com sabe-se lá quais interesses; o que se deduz, grosso modo, é que sejam apenas propagandas pessoais com finalidades político-eleitoreiras. Isto tem levado às pessoas mensagens equivocadas e irresponsáveis. Muitos acreditam que tal “projeto” está, efetivamente, em implantação. Neste caso, a PPP real é a aliança entre um grupo econômico com outros de “políticos”, sem ofensa aos que possam estar defendendo seriamente os reais interesses da população.

Havia uma ligação rodoviária entre os portos de Santos e Paranaguá, em projeto, nos mapas do início dos anos de 1980. Neles o traçado da BR-101 passava, após Peruíbe – partindo de onde hoje ela converge para a BR-116 – pela Juréia e Ilha Comprida, avançava por Cananéia e chegava a Paranaguá. Tal ligação entre o litoral teria facilitado o fluxo de pessoas e mercadorias. Muitas causas determinaram que tal projeto não fosse levado a efeito. Porém, entre os fatores relevantes temos a legislação que prevê total preservação da Juréia, justificada por ser aquele local um dos últimos resquícios intocados de Mata Atlântica, bem como o projeto das usinas nucleares de Iguape I e Iguape II. O Governo Federal chegou a obter financiamento e tecnologias alemãs para a construção; porém, com o fim do ciclo de governantes militares, em 1984, tanto os projetos das usinas nucleares quanto os de expansão de rodovias, tal como o trecho da BR-101 que por aqui passaria, permaneceram apenas em nossas lembranças.

Admitamos que seja real o divulgado interesse de conhecido grupo de investimentos portuários em construir um porto em Iguape, visando atender de forma complementar aos de Santos e Paranaguá. É natural supor que hajam melhorias nas estradas; caso contrário, o custo de operação será demasiado alto, bem como o custo que restará para a sociedade. Na estrada Biguá-lguape, por exemplo, sequer temos acostamento pavimentado na maioria dos trechos; se for preciso parar um veículo, o desnível entre a pista e o acostamento de terra é alto e lhe provocará danos. Por outro lado, é duvidoso que ela comporte contínuo trânsito de caminhões com containers, sabidamente com altas tonelagens; com a sua deterioração, sairiam dos nossos impostos os recursos para a sua manutenção, enquanto o grupo investidor lucraria mais e mais na administração do imaginado “porto”? Ou tal grupo também realizaria investimentos e manutenção nas estradas? Quem pagará as contas, afinal?

Seguindo a moda local – sem pensar em quem pagará a conta –, aqui vai a sugestão para que haja a construção de uma ferrovia entre tais portos, a qual atenderia também a passageiros, além das cargas para o imaginado “Porto de Iguape”. Por enquanto, apenas em meus pensamentos, a ferrovia poderia nos integrar às economias mais dinâmicas de Santos e Paranaguá, tal como era previsto nos antigos mapas. A única diferença seria que, ao invés de rodovia, teríamos uma ferrovia interligando o Litoral Sul de São Paulo e o litoral norte paranaense.

No Plano Diretor do Município, recentemente promulgado, não há menção para atividade portuária. Sequer aconteceu pleito junto ao Governo Federal, em época própria, para criação de ZPE - Zona de Processamento de Exportações, onde o regime tributário foi um forte atrativo para que se instalassem pelo Brasil várias ZPEs, as quais foram “agraciadas” com inversões de capital público e privado.

A discussão nos remete a uma questão essencial para o desenvolvimento do Vale do Ribeira: até quando seremos um trecho “esquecido” do mapa do litoral brasileiro? Para tal pergunta, assusta-me que hajam inúmeros boatos e raros fatos.

“Garçom? Traga a conta, por favor!” – Ao final das diversas rodadas e muito falatório, alguém terá que pedir! Ou sairemos todos em fuga?

Julio Cesar da Silva
Enviado por Julio Cesar da Silva em 27/04/2007
Reeditado em 07/05/2007
Código do texto: T466205
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