Davi

Hoje, ao acordar, um dia depois de um longo período, no dia anterior, na companhia dum amigo, um novo e, queira Deus, eterno amigo, à pensar e discordar sempre de quem diz que nada se pode conhecer de uma pessoa a partir do que ela escreve, posto que jamais escrevi sobre outra coisa senão sobre sentimentos, resolvi falar de Davi. Onde me desnudarei mais uma vez, acerca do que teimo que sou - um eterno aprendiz -, como aponto em cada texto que escrevo, onde mostro o tanto que cresço a cada dia de convivência com as mais diversas situações. As mais singelas então.

O papo abarcava as experiências vividas por mim, e pelo Waldo, dono do lugar onde nos encontrávamos, sua casa, anexa ao seu empreendimento Naturista, a Eco-vila da Mata; e na roda o Davi e o Genaro, seu genro. O primeiro, que pouco participava da conversa com o verbo. Mas que esteve tão participativo, ou mais até que eu e o anfitrião. Waldo não percebeu, mas ele me transportou dali quando me interpelou, ao me ouvir perguntar ao moço se ele gostava da música – antiga - tal, que tocava no meu carro, dizendo que Davi não era dado a músicas, mas à meditação. Pronto: foi o gatilho para que eu rememorasse minha conversa com aquele homem, havia uma semana. E que me fez crescer um tanto, e que tanto, mais.

Como a um bambolê, tal lembrança, no que me projetou a vivência dos oito dias atrás com o Davi, me trouxe, imediatamente, à recente vinte e quatro horas, onde tive outra com um sujeito que representa o extremo da conduta deste que protagoniza este texto. E que dissabor.

Davi, humilde que é, mas ainda se soubesse avaliar, jamais se importaria em ceder o lugar, todo seu, nesta narrativa, para que discorra sobre quem, que, diferente dele, que é um simples caseiro da propriedade, se denomina um profissional da publicidade, mas que não titubeio um milímetro prum lado nem pro outro, para defini-lo como a personificação da arrogância e da soberba.

“(...) Arrogância é o sentimento que caracteriza a falta de humildade. É comum conotar a pessoa que apresenta este sentimento como alguém que não deseja ouvir os outros, aprender algo de que não saiba ou sentir-se ao mesmo nível do seu próximo. São sinônimos, o orgulho excessivo, a soberba, a altivez, o excesso de vaidade pelo próprio saber ou sucesso”. Sucesso? Bem, vá lá que seja, mas este que, se de fato existir, perde-se sob o mar de lodo nos adjetivos acima, onde deve ter se erguido, eu completaria.

Davi, ah, Davi, quão valoroso tu és, amigo... E me aproveitado do teu valor, diante da tua humildade, te peço licença mais uma vez para fazer o registro de que, como tu o deve saber, muitos ainda são os que precisam se conformar que se tendo vivido sobre um jegue, uma lancha, ou uma Ferrari, o último contato com que se tem na terra, antes de se ser posto sob esta, é com um coveiro.

Lembrando da simplicidade com que este nobre caseiro se porta, ele que, acredite se quiser, rezou e é o que se crê ter salvo a vida dum cavalo, dias antes, que agonizava, todo inchado – este que corria dum lado para outro, tendo saltado e caído sobre o telhado dum cômodo que abriga um gerador de energia no lugar, tamanha a sua agonia, pela picada que levara duma cobra, e do tanto com quem se pode aprender, e voltando ao infeliz publicitário, é inevitável a comparação sobre o céu e o inferno, nessa exata ordem, que seria conviver no mesmo ambiente com sujeitos tão diferentes. Sobretudo por...  Sobretudo nada. Já chega de alma pesada nesse texto. Ora essa. Afinal, o título é Davi. Ou não? Pois então...

Davi estava muito alegre quando cheguei, junto com minha esposa, à propriedade. Podia perceber até se cegos fossemos, pela alegria que emanava tanto no se movimentar, quanto no falar. Waldo não estava. Era domingo. E ele havia ido à praia levar um casal de hóspedes seu. Então segui ali, com o velho Davi, conversando, e o avaliando, uma vez que era, como de fato o é, de perfil dum homem bem pobre – em termos econômicos, e não de posses.

Na minha cabeça as situações diversas em que vi gente pra dar de pau, que mesmo na vida abastada, magnificente – em termos econômicos, e profissionais, e não de posses, que levam mas que vive triste e a perturbar a paz do seu semelhante (glup), e nem aí para o incomodo que lhe causa. E ele ali, me ensinando um monte.

De certo que você estranhou quando me viu suprimir as posses ao elencar o poder de gente tal, mas mantê-las ao me referir ao Davi. Pois sim, é que a posse que falta a essa gente, é a mesma que sobra ao nobre caseiro: bom senso, e humildade. Que mesmo tendo sobre suas mãos a dádiva da cura, se este benzeu e salvou aquele animal, o homem emana simplicidade, e ensinamento.

Sobre o encontro mais recente, você de certo se recorda que Davi não participava ativamente, com o verbo, da conversa mesmo estando na roda. E não precisava. E não precisará jamais. Ele diz muito mesmo calado, ou quieto. Mas, lhe mirando, ali parado, ou não, basta que se tenha sensibilidade ao ver seus movimentos, que muito se aprende.

Mas quem é Davi? É o sujeito com quem muito já aprendi, e com quem, bastando que se preste atenção nele, muitos ainda aprenderão, e de quem não abro mão de está perto sempre que ali vou, que da primeira vez que o avistei, me recebeu, e contou muito feliz, que conseguiu, depois de 62 anos de vida, presentear sua senhora esposa com sua primeira geladeira. Davi é esse cara.

Quem agora vai dormir com esse barulho? Eu que não sou...