Fui padrinho do padrinho de meus pais: quem sou eu?

Aceitei sem pestanejar. Com honra. E acolitei o seu baptismo cívico: Padre Edmundo. Porém, não deixei de pensar na ironia e na feliz coincidência desta feliz circunstância.

Baptizar uma nova rua citadina com o seu nome era mas que justo era imperioso. Não se poderia ter escolhido melhor local. Achou-o a Assembleia de Freguesia da Ribeira Grande – Conceição, achou-o a Junta de Freguesia, acharam-no os seus cidadãos e achou a Câmara Municipal. E deve acha-lo, faço coro às sugestões de Jorge Nascimento Cabral, seguida do repique do Professor Mariano Alves e aprovadas logo pelo aplauso espontâneo de um Teatro Ribeiragrandense a abarrotar de amigos seus, a Região Autónoma dos Açores. Estou certo que sua Excelência, tal como prometeu entregará a carta a Garcia e Garcia dará a única resposta possível: a homenagem merecida da Região. É que a importância do Padre Edmundo ultrapassa as fronteiras do nosso Concelho e da nossa ilha. E com muito orgulho nosso.

A feliz coincidência, por certo já repararam nela, advém também do facto de esta nova rua confrontar com a escola que traz o nome daquela que durante anos lhe motivou e a Jorge Nascimento Cabral horas inesquecíveis de fé: Madre Teresa da Anunciada. As transmissões radiofónicas da procissão do Senhor Santo Cristo instituída pela Madre Teresa da Anunciada que levaram a sua voz quente, emocionada, bem timbrada, enfim uma voz imbuída de vibrante humanismo aos quatro cantos e demais recantos da Diáspora açoriana.

A feliz coincidência ainda pelo facto de esta nova rua ficar no limite poente da freguesia da Conceição, no preciso local em que a Senhora da Conceição toca a freguesia do Apóstolo São Pedro. Como outro filho ilustre desta terra, o Dr. Gil Tavares da Ponte, prematuramente desaparecido do nosso convívio, se lhe referia. E com justiça e propriedade, diga-se: Apóstolo São Pedro. Este abraço, qual suave encontro, marca o desenvolvimento desta terra que tanto tem amado, através do seu magistério de influência, como se lhe referiu sexta-feira passada de forma exemplar Sidónio Bettencourt, a elevação da vila-cidade a cidade e desta a uma verdadeira cidade. Magistério de influência que, sem qualquer proveito próprio, às vezes à custa de alguns dissabores, exerce de modo eficaz. Sem parangonas. Quase na sombra. É o seu múnus: não distingue o múnus sacerdotal do do homem cívico. É um só. Um homem da renascença, tal como o vê Madalena San-Bento. Mas fá-lo, é certo por ser seu dever e direito, tal como o recebeu do Padrinho Cónego Cristiano, um dos maiores oradores sacros do século XIX e XX e talvez o maior jornalista da viragem do século, mas fá-lo sempre com o propósito de discutir ideias, não de atacar pessoas. Ele é capaz de conviver com quem não partilhe das suas ideias, é alguém e nisto concordo com Daniel de Sá, com que se gosta de estar em qualquer circunstância.

Estas são a meu ver as circunstâncias felizes, a ironia, porém, reside no facto de ser o Padre Edmundo quem por norma baptiza: baptiza ruas e pessoas. O Padre Edmundo baptizou-me, trouxe-me do caos da criação para o redil da Santa Igreja Católica Apostólica Romana. Agora sou eu a baptizá-lo.

Não me vou demorar muito mais, pois, durante os dias precedentes, vários foram os depoimentos acerca dele, prometo ser mais breve do que o tempo em que esta placa toponímica ficará aqui, muito, muito menos.

Confesso que não fiquei nem por um instante preocupado pelo facto de ser o último a falar. Isto porque nunca ninguém diz ou sabe tudo de outrém. Isto porque em parte somos, já alguém o disse, em parte, aquilo que os outros pensam ou querem pensar de nós; em parte, parte do que nós queremos e pensamos acerca de nós próprios e em parte, parte do que nem os outros nem nós sabemos, algo que, para os crentes pertencerá a Deus. Que, para outros, mesmo crentes, acreditam que nem mesmo Deus que nos criou poderá saber tudo acerca destas suas criaturas. Felizmente. Porque cada um tem a sua versão da pessoa biografada, apenas isso. O que posso dizer é que eu não sou o mesmo que via o Padre Edmundo quando muito franciscanamente pastoreava o rebanho da catequese do qual eu fazia parte. Vejo-o com o olhar dos 46 anos. Vejo-o como alguém que me ajudou, sem o saber a gostar do passado da minha terra, que me deu, sem o saber, se calhar como o recebeu, o pesado fardo de gostar mesmo da terra: o magistério de influência, que por vezes faz com que se chateie amigos de peito.

E a sua capacidade de ser amigo: o modo como convive. É por isso que gosto desta terra, porque nela moram gente como ele. Os nossos encontros ao meio-dia e meia no Central. A convivialidade.

Por que razões as sociedades recordam? Por que razão e como? Como diz Paul Connerton.

Porque razão as sociedades esquecem? Segundo nos diz Marca Augé.

No passado as sociedades lembravam apenas heróis militares, grandes reis e santos. No liberalismo incluíram-se os heróis literários, no fundo os que glorificavam os anteriores. Aqueles nunca existiriam sem estes. Mais tarde, sobretudo em democracia, existem os heróis cívicos. Os que fizeram algo reconhecidamente válido para o bem da sua comunidade. Aqui é Açores, os Açores só existem aqui, em lugares como aqui. E Portugal também, a Europa, o Mundo em geral. Assim, o mais humilde dos construtores da mais remota comunidade por certo contribui para um mundo melhor. Há quem queira ser um pequeno peixe numa pequena poça, há quem queira ser um grande peixe num grande oceano. O Padre Edmundo preferiu ser um pequeno peixe numa pequena poça. A nossa. E estamos-lhe grato.

A toponímia, outra feliz coincidência, cultivada superiormente pelo padre Egas Moniz, um esquecido erudito desta nossa terra e paróquia, antecessor de inícios do século XX do Padre Edmundo, é um modo excelente de premiar os nossos heróis cívicos. Heróis, não santos, porque se ficássemos à espera de cumprirmos este critério só Deus Nosso Senhor, para os crentes, poderia dar nome a ruas. Numa altura em que tanto se fale, vê e ouve, sobretudo nos meios de comunicação social a denúncia de desgraças, de problemas com isto, com aquilo e aqueloutro, mais razão teremos para darmos razão e visibilidade a quem de forma humilde e desinteressada nos tem ajudado. É o caso do Padre Edmundo.

Que se dê nomes novos a ruas novos e se mantenha os nomes antigos das ruas antigas. Os primitivos. Na pior das hipóteses, porém, que se dê a conhecer os nomes antigos e se publique. É este o princípio que aprendi na comissão de toponímia a que teve o prazer e o proveito de pertencer sob a presidência inconfundível do Dr. Jorge Gamboa de Vasconcelos.

E já agora. Por que razão já o esquecemos? Ou ao Dr. João Gil Tavares da Ponte, ou ao Professor Manuel António cansado, ou ao Padre Luís Cabral? Ou o Padre Egas Moniz? Uma comunidade precisa de ter os seus heróis de carne e osso para se desenvolver, sem eles está condenada a se repetir e a ir por maus caminhos. Enfim, a minha avó Deodata dizia-me assim: por que razão não hás-de dizer que a laranja está meio sã em vez de dizer que está meio podre? Ou seja não esquecendo o que está mal, não se pode esquecer o que está bem.

Posso, por certo falar em nome de todos e dizer-lhe: Padre Edmundo, nós somos a sua família, pode contar connosco como nós temos contado com o senhor. Até amanhã se Deus quiser à hora do almoço no Café Central.

Mário Moura

Mário Moura
Enviado por Mário Moura em 29/01/2014
Reeditado em 12/06/2016
Código do texto: T4669703
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