Vinho, meu amigo

VINHO, VINHO

O bar do Seu Castilho era o lugar onde se reunia os amigos, quase todos os dias, para tomar “umas e outras” e contar as novidades, ou então contas vantagens, impulsionados pelas bebidas.

Todos ali conheciam o Eufrásio, antigo freqüentador do bar e muito conhecido por todos, e por se destacar entre os demais, porque só tomava vinho e gostava de contar vantagens, as quais talvez não passassem de mentiras, mas o fato era que nós divertíamos com as suas idiotices.

Entretanto, todos gostavam dele porque além de ser brincalhão, esbanjava simpatia entre os amigos que ali se reuniam. Tratava-se de um homem que já passava dos sessenta anos, talvez uns setenta, ou mais.

Todos as noites, lá estava o Eufrásio tomando o seu vinho e contando vantagens; todos paravam para ouvi-lo. Ele só tomava vinho, era inútil oferecer a ele outra bebida. Gabava-se de ser bom de cama e que as mulheres o adoravam; sempre dizia que nunca tirava menos de três por noite.

Às vezes, apenas por gozação, perguntávamos a ele como conseguia transar todos os dias, e a resposta era sempre a mesma: “Vinho, meu amigo, vinho”. Na verdade, ninguém acreditava nele, tudo devia ser fruto do efeito dos muitos copos de vinhos ingeridos.

Eu, em particular, “pagava pra ver”. Para mim, tudo não passava de gozação incentivada pelo efeito do vinho. “Conversa fiada”; diziam outros, não é possível um homem dessa idade transar todos os dias... Onde ele arranjava tanta mulher para sair com ele? Qual a mulher que ia dar bola para um velho setentão e ainda por cima, pobretão...

A maior parte de seus companheiros de bar, achava graça no que ele dizia e ainda por cima, debochava dele.

Um dia perguntei com certa ironia, onde ele arranjava tantas mulheres. Ele respondeu que era devido ao “vinho, meu amigo, vinho”. O resto era mistério e não ia mostrar a ninguém a mina de ouro. Como pode? Nós estávamos perplexos. Olha, disse Eufrásio: daqui a pouco vou encontrar com uma gatinha de vinte e oito aninhos.

“Então a semana toda você sempre tem uma gata diferente para sair, verdade”? “Claro”. Respondeu Eufrásio. “Como consegue essa proeza”? “Vinho, Vinho, meu amigo”.

Bem que gostaríamos de tirar essa dúvida, não acreditávamos em nada que ele falava, mas no fundo pairava uma dúvida... Conversa mole, comentamos entre nós; só pode ser efeito do vinho... Tudo isso deve sair da cabeça dele, deve ser invencionice.

Só tem um jeito de tirar a dúvida, tentar saber a verdade e ir atrás dele verificar.

Eufrásio tomou o resto de vinho do copo, e disse: “por hoje chega, tenho que ir ao encontro de uma gata”. Perguntei se era longe dali, e ele respondeu que não. Só que não dava o endereço.

O que nos chamava atenção é que todos os dias quando saia do bar, ele tirava uma garrafinha do bolso e mandava o Seu Castilho encher. Ele tampava e enfiava no bolso do paletó e ia embora.

Assim que ele saiu, eu e o Quirino fomos atrás para observar. Mantemos sempre uma distância considerável, para não perdê-lo de vista.

Eufrásio aproximou-se do Cine Olímpia e parou. Ficamos a observá-lo. Decorrido uns quinze minutos apareceu uma mulher, cuja idade não passava dos trinta. Belo corpo e razoável beleza. Chegou perto dele e o abraçou com um sorriso nos lábios. Ele tirou do bolso a garrafinha de vinho que sempre portava, ofereceu à mulher; ela tomou um trago na boca da garrafa e em seguida Eufrásio tomou também. A mulher pegou no seu braço e saíram para onde, não sabíamos. Não é que o homem está com tudo mesmo? Pelo menos ficamos sabendo que é verdade tudo o que ele conta.

No dia seguinte comentamos com os amigos sobre o Eufrásio, e um milagre aconteceu no bar: muitos dos frequentadores do bar, já não bebiam caipirinhas ou cerveja: disfarçadamente, um por um pediam ao dono do bar um copo de vinho.

O Seu Castilho, no dia seguinte teve que providenciar um bom estoque de vinho para atender toda a sua clientela. Depois de alguns dias o estoque de vinho do bar já não dava para atender a todos os fregueses, e o senhor Castilho providenciou um barril de cinquenta litros para atender melhor a freguesia. Para simplificar a venda do vinho foi colocada no barril, uma torneira de cada lado, deixando-o mais prático o atendimento à sua clientela. Quase não se vendia outra bebida, só vinho, vinho.

Quando chegou o Eufrásio perguntamos a ele: “Quantas foram ontem”? “Só duas, não estava bem disposto”, respondeu. “Só duas repetimos admirados”. Eufrásio mostrou o copo dizendo: vinho, vinho, meu amigo.

Passamos a comentar entre nós: “O homem é fogo mesmo”, viramos o copo de vinho e pedimos: “mais vinho aqui”.

Depois de alguns dias, notamos a falta do Eufrásio. Já passava de quinze dias que não o víamos no bar. Ficamos preocupados; o jeito é dar uma chegada na casa dele e ver o que está ocorrendo, comentamos entre nós.

Chegamos à sua casa fomos atendidos por uma senhora que nos mandou entrar. Falou que o Eufrásio estava na pior e desenganado pelos médicos; não agüenta nem falar, coitado...

Aproximamos da cabeceira de sua cama e perguntamos-lhe baixinho o que estava acontecendo. Com muito custo ele virou a cabeça mostrando uma cara tão pálida que já parecia um defunto, e com uma voz muita fraca e lenta, falou baixinho: “viiinho, viiinho”.

Fim

Luiz Pádua
Enviado por Luiz Pádua em 03/02/2014
Reeditado em 03/02/2014
Código do texto: T4676035
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