Conto Urbano

Todas as possibilidades ficam ocultas pela consciência macabra da falta de possibilidades palpáveis. Não é possível pensar em nada, torna-se uma roda viva incessante e obsessiva. Gruda na cabeça como as músicas fáceis, hits pegajosos e ridículos. Cega como um surto radioativo, queima e deforma da mesma maneira.

Um maço de cigarros e uma garrafa térmica cheia de café somem como que por encanto. Horas de preocupação passam como se fossem apenas alguns segundos. Mas parece que não dá resultado, volta a ser tudo o que era antes: impossibilidades, tentativas malogradas, a sensação de que a vida inteira está indo por água abaixo.

Sai debaixo dos cobertores logo cedo, a única possibilidade restante é vestir uma roupa e ir trabalhar. Mas se o trabalho tampouco dá resultado!...

Pega o ônibus lotado para mais um dia. Precisa prestar atenção, senão o salário acaba sem conseguir separar o necessário para a locomoção. Lá, encontra-se com o outro transporte, a moto, aonde se equilibra durante o dia para entregar encomendas. Se o destino tivesse desejado outra coisa, as encomendas estariam sendo entregues a ele, e não por ele.

Era isso que a família sempre quis: que ganhasse a vida de forma honesta, sem sucumbir à violência, às drogas, ao fim da vida por uma bala encomendada por acerto de contas. Com esforço, terminou os estudos numa escola pública, sem possibilidade -ah, as malditas impossibilidades!- de um diploma superior. Por enquanto, a sobrevivência era mais importante.

No meio do caminho, presencia uma cena de violência que a família tanto se enoja de ver: um assalto, ao ar livre. Mais um idoso vítima da própria inocência. Interrompe o percurso para prestar socorro ao próximo. Alguém havia chamado a polícia. E a polícia chegou.

Na sua condição de baixa renda, não pode se dar ao luxo de usar roupas melhores para exercer o ofício de motoqueiro. Usa roupas simples. Mas o que uma pessoa vestida naqueles trajes faz num bairro nobre, ao lado de um velhinho apavorado? O que esse rapaz quer do lado desse senhor, segurando-o pelo braço nessa atitude suspeita?

A mira é precisa. Direto na cabeça. Ele cai já morto, sem ter tempo pra pensar porque foi atingido. Justo ele, que passava horas pensando nas impossibilidades de sua vida sem grandes luxos. Almejado por parecer justamente o que não era. Sem chance de defesa. A realidade em que vivia fazia com que realmente se parecesse com uma dessas pessoas que, não querendo lutar, escolhem o caminho mais fácil. E, por uma impossibilidade cega de interpretação, foi confundido fatalmente sem tempo para maiores explicações.

(04.11.2006)

Elise Garcia
Enviado por Elise Garcia em 28/04/2007
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