LUCIDEZ, INTELIGÊNCIA E MEMÓRIA

Acredito que a preservação da lucidez no envelhecimento do ser humano seja fator primordial para resguardar-lhe a inteligência e a memória. De fato, se se observa que alguém perdeu a lucidez, fatalmente terá perdido aqueles outros dons. Se não se tem mais lucidez, isto é, o discernimento do que é certo e do que é errado, em consequência da idade ou de alguma doença ou de fatores traumáticos, poderá, provavelmente, no homem ou na mulher, fenecerem, além da inteligência e da memória, alguns dos cinco sentidos essenciais, tais como a visão e a audição. Afirmo isso por experiência própria.

Marchando já para os noventa anos, mercê de Deus, agradeço-Lhe por me ter resguardado a lucidez, embora já sinta consequências sobre a minha memória, principalmente sobre os fatos mais recentes. Felizmente ainda preservo a lembrança dos acontecimentos mais remotos, o que é uma felicidade, por serem aquelas as de maior encantamento, embora algumas já as recorde um tanto difusas. Eu não sei, mas acredito que uma saúde debilitada, assim como o acúmulo de preocupações, agravados ainda pela solidão decorrente da perda da grande maioria dos meus amigos, são fatores, evidentemente, danosos a uma saúde mental. Também sinto as consequências dos mesmos fatores sobre a inteligência. Não posso dizer que minha capacidade intelectiva é igual à dos quarenta anos, mesmo à dos setenta.

Cabe aqui uma referência a um trabalho do Prof. Dráuzio Varela. Segundo ele, a expectativa em 1900, mesmo na Europa, era de apenas 45 anos; atualmente é de 80 anos. Naquele tempo, os hábitos de vida, mesmo naquele continente, ainda eram precários e a medicina não tinha o conhecimento e os recursos de que hoje dispõe. Coincidentemente, após ler o excelente trabalho do Dr. Dráuzio, liguei a TV Canção Nova e nela estava sendo apresentada uma entrevista com o Dr. Elias Knobel, que aparentava uns 65/70 anos, cardiologista em São Paulo. O tema tratava da qualidade de vida atual e os avançados recursos de que a ciência dispõe para retardar o envelhecimento do ser humano. Seu pai falecera com 95 e sua mãe com 90 e ele, sendo de uma estirpe de longevos, esperava chegar lá. Esqueceu, porém, o ilustre médico, de mencionar que as condições de vida atuais, não apenas nas grandes cidades brasileiras, assim como nas médias e também nas pequenas perdeu imensamente em qualidade. Hoje, com a propagação das drogas e da corrupção, não existe mais, em nenhum lugar, a tranquilidade de antigamente, predominando a violência e a poluição, fatores que atuam em desfavor de nossa saúde e em prejuízo de uma longevidade mais tranquila. Em quase todas elas já chegaram os progressos da ciência, especialmente o da ciência médica, mas o número de mortes decorrentes principalmente da violência é assustador. É desgastante hoje ouvir os noticiários das TVs, existindo até programas inteiramente voltados a veicular notícias de mortes, acidentes e distúrbios os mais diversos. Interessante é que tais programas têm grande audiência; muita gente sente um prazer mórbido em tomar conhecimento de tragédias, uma banalização da vida.

Mas o assunto desta crônica nos leva a voltar a falar sobre os fatores que atuam sobre a inteligência e a memória e de como a função dos neurônios do cérebro são responsáveis pela lucidez, a memória e a inteligência. Se bem entendo, dependendo da qualidade de vida que levamos, eles, os neurônios, vão enfraquecendo ou até morrendo em consequência do nosso envelhecimento, precoce ou não. Assim, dependendo do estado físico do idoso e de sua qualidade de vida, tanto a lucidez, como a nossa memória e mesmo a inteligência, vão perdendo o seu vigor. Se souber ter uma vida sadia, o indivíduo poderá viver 80, 90 ou mesmo 100 anos, porém o dia de prestar contas a Deus inapelavelmente chegará.

Penso, repito, que é isso o que está acontecendo comigo. Sinto que, gradativamente, as minhas lembranças de episódios mais recentes que, na nossa lógica, deveriam estar mais presentes, ao contrário dos acontecimentos antigos, da infância e da adolescência, que deveriam estar apagados, continuam em minha memória. A inteligência e a criatividade pelos quais são responsáveis alguns neurônios – assim penso – também vão sofrendo a ação do tempo e de outros fatores corrosivos, tais como as inevitáveis preocupações. Acredito que, se fosse melhor a minha saúde e não fosse a quantidade de medicamentos que sou obrigado a ingerir para manter-me vivo já com mais de 89 anos, considero um milagre a lucidez que ainda mora em meu cérebro. Ou, quem sabe, se, em vez de atribuir a tantos remédios a minha longevidade, não seria a vontade de Deus, já que a nossa vida está em suas mãos e, conforme já disse em crônicas anteriores, acredito – pelos episódios que já mencionei – que Ele me tem poupado e permitido viver estes anos todos.

Agora, acho que cabe a pergunta: existem pessoas mais inteligentes do que outras? Com certeza existem e isso eu comprovei desde os meus tempos do Ginásio Santa Luzia. Conheci, então, alunos que apenas prestando atenção às aulas dos professores, assimilavam tudo. Vou citar dois: um era Chico Leite, filho de um militar e que carregava uma escoliose. Seu boletim mensal só tinha nota 1O. E nem era muito estudioso. Sei que se formou depois em Engenharia Civil e teve uma carreira brilhante. O outro foi Romildo Fernandes, que era, então, meu amigo e com o qual me correspondi quando ele, concluído o curso, veio residir em Natal. Era impressionante a sua inteligência. Quando ingressei no Ginásio e passei para a 2ª série, lá encontrei um colega que fora reprovado. Passei para a 3ª e ele permaneceu na 2ª, tendo posteriormente deixado os estudos. Outro exemplo já foi citado em crônica anterior: Abertas as inscrições para o Banco do Brasil, uma turma, inclusive eu, foi estudar matemática comercial com um determinado professor. Resultado: foram todos reprovados. Logo se abre novo concurso e desta vez fomos estudar com um funcionário do Banco, Isaias Nunes Pereira. Era admirável não só o seu conhecimento da matéria como a eficiência com que ele inculcava a matéria em nossas mentes. Resultado: fomos todos aprovados com a nota máxima.

Quando trabalhava no Banco do Brasil tive, também, oportunidade de constatar o fato de existirem pessoas mais inteligentes do que outras. Talvez fosse questão de pendor, pois me deparei com elementos de fraco desempenho no Banco mas que, no exercício de outras atividades, tiveram pleno êxito. Quem costuma ler deve ter observado isso também no mundo intelectual.

Natal, 01.02.2014.

Obery Rodrigues
Enviado por Obery Rodrigues em 04/02/2014
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