A Arte de Escrever Mal.
Pior que não saber escrever, é achar que sabe escrever.
Uma doença chata.
E inegavelmente incurável.
Tudo começa com uns rabiscos de qualquer lixo poético, que você, é claro, esconde. Uma amiga intrometida acha. Quer ler!Você tem um surto, mas acaba deixando. Sim, vive a esperança de você ser realmente bom naquilo.
Sua amiga lê. Ela sabe que aquilo é uma verdadeira merda, mas excercendo o grande ofício da amizade diz:
_ Ficou lindo!
E tentando imaginar que você poderia fazer algo melhor, completa:
_ Foi você quem escreveu?
Você, idiota, responde:
_ Foi sim.
Você respondeu o que ela nunca gostaria de ouvir! Justo ela, a garota mais aplicada e foderonica da escola tendo uma amiga como você, uma pseudo-escritora e ainda, de meia tigela. Era o fim, mas, de novo excercendo o lindíssimo papel da amizade, ela tenta te proteger:
_ Me dá isso que você escreveu?
Sim! Ela quer destruir qualquer tipo de prova que você é uma completa fraude na literatura. E você, lesada como sempre, responde:
_ Mas eu só tenho essa cópia!
Vendo que o plano dela pode dar certo.
_ Melhor ainda, aí esse aqui fica eterno. Feito só pra mim.
_ Tá bom, então.
Você entrega o que você escreveu a ela, mentalmente, ela já esquematiza tudo que irá fazer com aquilo quando chegar em casa. "Ir pro quintal e queimar, isso que você deve fazer!"
Passa esse dia, e sua amiga tendo destruido a prova do crime, você chega nela e diz:
_ Escrevi outras coisas, se você quiser ler.
Ela tem um pensamento mortificante: Mas que merda, ela andou escrevendo de novo!
_ É claro que eu vou querer ver, sou sua fan.
Você entrega os novos escritos, ela lê e:
_ Uau! Você se superou.
E você havia se se superado mesmo, aquilo conseguia ser pior que o primeiro. Ela teme o que pode vir pela frente.
_ Você usa muitas metáforas, hein?
_ Sim, me faz sentir um pouco mais perto de Henriqueta Lisboa.
_ Ahhhh, sei!
Sua amiga pensa que algumas leituras não estão lhe fazendo bem. E logo parte pra o que ela chamaria de 'golpe de salvação'.
_ Pô, Jú, falando em Henriqueta Lisboa, será que você poderia devolver o livro, a apresentação está próxima.
_ Sim, claro, eu já acabei de ler.
"Merda!" é o que se passa na cabeça da sua amiga. "Ela já leu o livro todo!"
_ O que achou dele?
_ Lindo!
_ Ah, que bom, né?
_ Sim!
Você responde sorrindo, sem saber do terror em que sua amiga está vivendo.
Mais dias se passam, e você dando mais desgostos à sua companheira de amizade.
_ Vou começar a postar na internet o que eu escrevo, que acha?
"Eu não acredito que ela teve essa idéia infeliz!"
_ Nossa! É mesmo?
_ Sim, é interessante ter mais gente pra ler o que a gente escreve, não?
"Seria se você tivesse dom pra isso."
_ Mas que bom !
"Eu não deveria ter dado tanta confiança à ela."
E assim, sua amiga criou um monstro. Um monstro que exploraria Lispector, que brincaria com Leminsky, que zombaria com Bilac, mas sem a maestria de Andrade. Que, as vezes, pensa ser cronista como Veríssimo, mas que, na verdade, é tão antiliteratura quanto Tzara.
Ela criou o monstro, mais um monstro que sujaria a literatura. Como tantos outros de antes, como tantos outros de agora... que criaram a auto-ajuda pra encher com bobagens os vazios e incertezas humanas. Talvez, a amiga devesse ser menos amiga e dizer o quanto porcaria a gente é como escritor, alertar que o caminho é outro.
Eu queria que minha amiga tivesse sido menos amiga comigo!