Choque de Terminação

Choque de Terminação






Mais um mês sem chuva, colega, e esse termo será usado coletivamente. Por hora sou um escritor com calor, mas se a estiagem se prolongar me torno um escritor com sede e daí, bom... Pra que fazer drama?

Em algum lugar li alguma coisa tipo: Seu mundo ainda não tentou o experimento que os libertaria.

Bom, falta de água, tenho certeza, não está neste cardápio.

No estado, temos o que, 16 municípios racionando o que ainda dá pra racionar. E depois?

Canalizadores do Agora dizem que entramos na A ERA DOS DONS. Se o meu dom for usar uma varinha para trazer dilúvio, não vou esperar um segundo.

A primeira vez que o termo Choque de Terminação foi empregado na grande mídia (já deveria constar em trabalhos acadêmicos...) foi quando a Voyager deixou o Sistema Solar - 12 bilhões de km daqui. Primeiro objeto feito pelo homem a ir além desta distância.

De fato, colega, a expansão não é apenas possível, ela é necessária.

Por aqui, no nosso mundinho, municipal, estadual, nacional, se você acompanha as noticias não carece da minha irrisória labuta para chegar nalguma conclusão. Carece, eu diria, de um terço, e, dependendo do dia, de alhos e crucifixo.

Ah sim, e de água nos reservatórios. Uma vez conseguido esse item (e pensar que até outro dia isso não constituía problema) aí sim vamos arregaçar as mangas e tratar de tecnologia, invenções, idéias - artigos que não são produzidos em “sociedades” escravocratas.

Nem em desertos. Quer dizer, precisa haver um equilíbrio, se é que me faço entender.

A Voyager levava (não sei se ainda leva) fotos da vida na Terra, saudações em 55 idiomas e uma seleção de músicas, de cantos gregorianos a Chuck Berry.

Sei que este calor – seco, agudo, ininterrupto – está me incomodando, o que me confere certa estreiteza de pensamentos e ao estágio das palavras dos outros: “Deixe a suas insatisfações serem os seus segredos”.

Brother Fevereiro, que sempre foi um arruaceiro e um aguaceiro, aqui se mostra um braseiro.

Aproveito estas linhas para prestar minha solidariedade ao profissional da área de jornalismo, atingido por um artefato explosivo nesta semana, no Rio de Janeiro.

O que poderia ter sido uma expressão legítima foi transformada num drama pelas mãos de um imbecil.

O acervo musical da Voyager inclui “Dark was the night, cold was the ground”, do blues man da déc. de 20, Blind Willie Johnson. E há um drama aí.

Será a nossa sina, ou mudaremos isso?
Confesso esperança, sem uma ponta de vergonha e um tremendo calor.
Eis a bula para o momento (não é minha, estou apenas reproduzindo): cure o passado, programe o futuro e viva no presente.

Penso que a Voyager foi para o futuro, sabe-se lá para onde, ou para qual, mas levou consigo a sina de Blind Willie Johnson, cuja madrasta o cegou aos 7anos, jogando lixívia em seus olhos, depois que seu pai a surrou por pegá-la com outro homem. Ele morreu na miséria, de pneumonia, após dormir enrolado em jornais molhados nas ruínas de sua casa que se incendiara.

Levou também sua música e quem disse que nesse mundão a fora alguém não irá se alegrar com isso?

Se não inserisse esta possibilidade estaria mentindo e, antes que eu me esqueça, verdades corrompidas não são verdades.



(Imagem: Saul Leiter, Snow.1960)







 
Bernard Gontier
Enviado por Bernard Gontier em 08/02/2014
Reeditado em 29/04/2021
Código do texto: T4683110
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