A ESTRADA POR ONDE ANDEI



Tenho um carinho especial por esta estrada na ilustração deste texto. Nela caminhei pela primeira vez rumo ao trabalho ainda em tenra idade. Ela foi passarela no cenário de minha infância, adolescência, e juventude. Aonde por alguns anos eu desfilei sonhando mil fantasias. Caminho que tantas vezes eu percorri encimado no cabeçalho do carro de boi ouvido seu canto dolente, transportando as colheitas da fazenda sesmaria, propriedade do meu avô Guilhermino. Fazenda esta que mais tarde foi repassada aos seus filhos, e atualmente pertence aos netos, incluindo a mim. Embora alguns já tenham repassado suas glebas a terceiros. A parte que me coube herdada de meu pai, ainda permanece em meu poder. Talvez não tenha para meus filhos o mesmo valor sentimental cultuado por mim, e poderá no futuro ter o mesmo destino das demais, cedidas a terceiros.
Na foto a pequena área, que a mim pertence, esta situada a sua direita. Confrontando com a BR 164 em ambas as margens do rio Picão acima da ponte da BR. Local onde meus colegas se juntavam a mim e vivenciamos nossa deliciosa infância. Desfrutando de uma genial intimidade com a natureza e com o leito do rio picão.
O local mais saudoso e que mais me remete lembranças. Situa acima da velha e quase centenária ponte de cima como é chamada, construída de aroeira, madeira que resiste a ação do tempo. Ao seu lado, por muitos anos foi extraída argila para o fabrico de tijolos a princípio por Manoel Antero, mais tarde por Chiquinho Estevão, dois oleiros que muito contribuíram com a comunidade do Engenho, na arte de fabricar tijolos.
Ao longo do tempo com a retirada da argila, em ambos os barrancos do rio, abriu-se um espaço, formando um caudaloso manancial, que nós o apelidamos de remanso. Onde passávamos o domingo inteiro mergulhando no seu leito forrado de areia. Areia essa que era extraída e juntamente aos tijolos ali fabricados foi utilizado na construção de várias casas do povoado do Engenho, incluindo o cemitério para o qual com os meus sete anos de idade fui guia de boi do saudoso Vicente Roque no transporte dos materiais acima citados. Velho carreiro que de inicio trabalhava para meu avô e mais tarde para José Rodrigues, meu saudoso pai proprietário da olaria.
Vicente Roque mais tarde foi substituído pelo José do Meio, morador encostadinho à BR. Um mestre na arte de carrear, que me ensinou a lidar com os bois. Tornamo-nos amigos íntimos, e compadres, quando me deu seu filho Geraldo como afilhado, consolidando com isso a nossa amizade.
Assemelhando a uma artéria, essa estrada era a principal via por onde desfilavam os carros de bois orquestrando seus cantos dolentes, transportando a produção da abençoada seara situada nas áreas mais férteis no coração da fazenda, ou seja, a gema cultivada com milharais circulados pelos brejais onde o louro dos arrozais fartamente produtivos predominava, garantindo o sustento de centenas de famílias neste Vale abençoado.
Iniciando na sede da fazenda no Buriti Jorge, essa artéria era também via de acesso ao pacato povoado do Engenho. Uma verdadeira passarela com suas paralelas cobertas por arbustos e arvoredos ora floridos exalando um delicioso perfume silvestre, ora deitando nela seus suculentos frutos a exemplos dos araticuns, cagaitas, marmeladas, e guabirobas. Um cenário donde chilravam os canarinhos da terra, coleiras, curiós e pássaro preto. Encantando centenas de trabalhadores, que perfilados em fila indiana se dirigiam para o seu labor diário lavrando a terra, e irrigando-a com o suor do rosto.
A partir de os meus sete anos de idade iniciei minha jornada no trabalho, nesse maravilhoso paraíso do meu passado meu pequeno mundo infantil. De inicio como candeeiro (guia de boi) mais tarde na adolescência, eu subi de posto, assumi o papel de carreiro. Na lama ou na sua poeira foi uma luta penosa. Na colheita do milho o trabalho era realizado apenas no período diurno, exceto algumas madrugadas para transportar o feijão a ser batido em terreiros improvisados nos currais e rebocados, ou melhor, dizendo, barrelados com água e estrume de gado.
Em dias de intenso frio seus montículos em rama, eram cobertos pela geada. A tarefa de o candeeiro ajudar o carreiro a recolhê-lo roça afora, quase me entanguia de frio. Mas a noite nós crianças fazíamos a festa na queima da palha do feijão cuja cinza tinha seu valor para os barrileiros produzindo a decoada com a qual se fabricava o sabão preto.
Na época da colheita do arroz o carreto estendia até altas horas da noite, às vezes debaixo de chuva. Assistidos pelo piscar constante das lacraias e pirilampos escoltados por vaga-lumes. E ouvindo uma multidão de sapos, pererecas, saracuras, paturis e uma diversidade de aves noturnas algumas até desconhecida que formava uma algazarra ensurdecedora do tamanho do universo. Não raras foram as noites que tínhamos de descarregar o carro que atolava até no eixo, uma mão de obra trabalhosa, tendo que carregar a sacaria do produto molhado até atingir terra firme.
Foi assim a minha saudosa infância e adolescência. Percorrendo caminhos estradas e trilhas deste vale do Picão. Apreciando o voou rasante das parelhas de marrequinhos selvagens que parecia mais veloz que o som. Enquanto a minha vida sem preocupações parecia vagarosa.
Geraldinho do Engenho
Enviado por Geraldinho do Engenho em 11/02/2014
Código do texto: T4686879
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