“Comece pelo começo, vá até o fim e, então, pare.”

Numa noite de sábado, eu e a patroa nos deitamos no sofá da sala para assistir a um filme oscarizado: “Crash”. Decorridos alguns minutos da trama, minha companheira desistiu e recolheu-se ao quarto para dormir. Eu, pouco tempo depois, “joguei a toalha” e decidi seguir-lhe os passos.

Meu neto estava ao computador e, talvez com medo de ficar sozinho na sala, me perguntou:

- Já terminou, vô?

- Não. É que tou achando esse filme meio chato... – Respondi-lhe.

Ele retrucou:

- Tu tem que ter calma, vô. É assim mesmo... Primeiro eles apresentam os personagens, depois eles mostram o problema e, no final, tudo se resolve.

Sábias palavras de um menino de 8 anos. Seja num filme, peça teatral ou texto, a comunicação tem que ser ordenada.

A linguagem textual exige criatividade, mas criatividade não é tudo: organização de idéias é imprescindível. Daí, não podermos abdicar dos três pontos elementares para que um texto seja inteligível: introdução, desenvolvimento e conclusão.

Esta seqüência pode dar a impressão de cercear a criatividade, mas criatividade não é sinônimo de compreensão. Vê-se, muitas vezes, algumas boas histórias naufragarem por não terem sido escritas na seqüência: introdução, desenvolvimento, conclusão. Não é àtoa que a redação exigida nos exames vestibulares traz verdadeiro pânico aos candidatos e muitos textos produzidos por estes viram motivo de chacota entre as pessoas que os corrigem.

O ensino brasileiro está falido e, apesar de se mostrarem preocupados com o fato, nossos governantes não tomam medidas práticas que possam melhorá-lo. Hoje, infelizmente, vemos pessoas que acabaram de receber o diploma da faculdade incapazes de produzir um simples texto. Prova maior deste fato são os índices de reprovação nos exames da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) em que menos de 10% dos candidatos obtêm êxito. Há pouco tempo, o presidente nacional da Ordem, Cezar Brito, declarou que a grande maioria destes bacharéis não sabe ler ou escrever.

No último capítulo de “Alice no país das maravilhas”, de Lewis Caroll, durante o julgamento do Valete de Copas, acusado de ter roubado as tortas da Rainha, o Coelho Branco encontra uma carta que teria sido escrita pelo prisioneiro. O Valete, ao ser confrontado com a carta, nega tê-la escrito e argumenta que não há nenhuma assinatura no final. Lá pelas tantas, o rei pede que a leiam. O Coelho Branco pergunta: “Por onde eu começo, Majestade?” Ao que o Rei responde: “Comece pelo começo, vá até o fim e, então, pare”.

A frase proferida pelo Rei é usada como receita para narradores, numa reflexão bem-humorada sobre a simplicidade e o mistério da arte de contar histórias, eventualmente um argumento de autoridade contra as formas narrativas complexas ou simplesmente "enroladas".

Então, parafraseando o Rei de Lewis Caroll, deixo aqui um conselho para quem vai produzir um texto: “Comece pelo começo, vá até o fim e, então, pare”.

Só para encerrar: tempos depois, assisti ao “Crash” e posso recomendá-lo como um bom filme.

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Aroldo Pinheiro
Enviado por Aroldo Pinheiro em 30/04/2007
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