O CARNAVAL.

O carnaval na favela era uma festa aguardada ansiosamente durante o ano todo pela comunidade. Os meninos e os adolescentes se fantasiavam de bate-bolas e carrascos. As meninas de índias e odaliscas. Os adultos com fantasias leves, com motivos alegres sempre nas cores dos seus respectivos blocos. O bloco "Unidos do Gavião" desfilava com suas cores azul e branco. "A Flor do Rebu" de amarelo e preto. O "Mobral" com seu imponente vermelho e branco. O desfile ocorria sempre na praça principal da favela, junto ao pequeno centro comercial. No coreto, quase sempre improvisado, feito rudemente de dormentes extraídos ilegalmente da linha férrea, ficavam os jurados. Sempre as mesmas pessoas anos à fio. Aqueles que gozavam de um certo prestigio junto aos dirigentes dos blocos. Durante o carnaval os tiroteios entre as turmas de malandragem tinham sua hora de trégua. Era durante os desfiles dos aclamados blocos carnavalescos. Nem fogos de artifício eram permitidos nestas horas. A favela se tornava um infinito mar de gente alegre, gozando de sobrenatural calmaria. O que se ouvia era o frenético baticum das baterias. O que se via era a mulherada em seus trajes minúsculos, com as cores alegres dos seus blocos, rebolando sua seminudez junto aos bêbados, crianças, senhoras e chefes de famílias. As baterias diferenciavam entre si. Faziam chamadas de repiniques cada vez mais incrementadas. Os surdos, chocalhos, taróis, agogôs, cuícas, tamborins, reco-recos, respondiam em coro de vibrante entusiasmo, como se fossem soldados atendendo a convocação dos repiques pra guerra. A bateria do "Unidos do Gavião" era a maior de todas. Seu desfile tinha mesmo um certo caráter de escola de samba. Por se localizar na melhor área e contar com pleno apoio financeiro do comércio local, que patrocinava seu desfile e em troca contava o ano inteiro com uma certa segurança de sua turma de malandragem. No "Unidos do Gavião" desfilava o povo mais elitizado da favela. Sempre esbanjando luxo e beleza, era este realmente o grande bloco da comunidade seu samba era assim: "-Nessa noite de orgia sairá um campeão, ai meu Deus que bom seria se fosse o Gavião..." "A Flor do Rebu" era o bloco carnavalesco menor e mais pobre da comunidade. Seus sambas eram os chamados bois com abobora, as melodias eram entusiasmadas, mas as letras e os temas abordados eram quase sempre fracos. Porém, era o mais injuriado de todos os blocos. Sua bateria era infernal, sua turma era a da encrenca. Quando a Flor do Rebu surgia exalando aquela essência de maconha selvagem pelos ares da comunidade, ninguém se metia a besta. A turma surgia gritando em coro desafiador seu samba de embalo: -"Vamos gente, que hoje tem remandiola, a flor do Rebu chegou agora". A malandragem desfilava esbanjando as belas coronhas de seus ferros sob suas camisetas de tela furada. Já o bloco "Mobral" era o do fechamento dos desfiles, aquele que arrastava a multidão atônita no embalo de sua bateria empolgada: -"Vem ver pra crer, vem requebrar nesse samba que eu fiz só pra você..." Não havia quem ficasse inerte com o tracatá de seus repiques e o ensurdecer de seus maracanãs. No "Mobral" a malandragem desfilava a paisana, sorrateira, pelos lados de fora. O carro alegórico trazia por debaixo do sambar quase sem roupa da mulata, uma série de armamentos pesados, prontos para entrar em cena no carnaval ao menor sinal de descompasso.