EMANCIPADOS

EMANCIPADOS

Se você solicitou alvará de soltura, "hábeas corpus" para sair de uma prisão que enclausurou sonhos e envelheceu emoções...

Se você se incendiou de paixão e lhe jogaram a água fria da indiferença, reduzindo tudo a cinzas e só lhe sobrou o rescaldo...

Se teve a coragem de encarar a realidade sem camuflagens, sem varrer a poeira do desagradável para baixo do tapete...

Se você alugou sentimentos por prazo indeterminado, mas rompeu algumas cláusulas contratuais por inadimplência, má administração, descuido e sofreu, conseqüentemente, ordem de despejo...

Se dispersou carinhos e foi pego em flagrante, engarrafado no tráfego de braços alheios, sem direito a perdão, nem pedido de desculpa...

Se você foi convidado a retirar-se da festa porque se excedeu em cobranças e bebeu demais da taça do afeto e acabou "sobrando"no contexto...

Se você deixou de ser imprescindível, passando a pertencer ao catálogo de móveis e utensílios, a exercício findo, dado por perdido...

Se pediu concordata, não escapou dos prazos e caiu em falência no campo do bem-querer...

Se você perdeu a bússola e quer, a todo o custo, manter o leme na direção certa em meio a raios, trovoadas e vendavais...

Se desligou o piloto automático, perdeu o contacto com a torre de controle e está voando por instrumentos...

Se você está se sentindo abandonado numa praia deserta, mesmo hospedado num hotel cinco estrelas com tudo do bom e do melhor...

Se você se identifica com qualquer uma das citações acima e se solidariza com a "liberdade"de estar avulso e descompromissado no seu grupo de adultos...

Você é um dos tantos que sobreviveram ao terremoto que se desencadeia quando têm fim as relações amorosas.

E, mesmo não querendo acreditar, você busca; não desejando errar, tropeça; evitando repetir histórias, reincide; fugindo do envolvimento, compartilha.

Na verdade, o que você não consegue é lidar com o término de um "viver a dois" porque colocou um ponto final na frase errada. O que acabou não foi o afeto; foi a vida em comum. Impossível apagar, deletar um sentimento que, ainda, existe respirando na memória. As lembranças são o sinal claro que lateja, independente da nossa decisão de não mais deseja-lo. Tudo que ficou impresso em você tem a marca do indelével.

Acontece que a relação interpessoal ficou fora de foco, desfigurou-se. Desapareceu a sintonia fina, o ponto de equilíbrio, a identificação.

Você é um maior carente, apertando o botão do "tracking"para tentar acertar, dentro do seu visor interior, o semblante sem fantasmas, nem chuviscos. Você deseja a nitidez de imagem.

Você emancipou o carinho, a ternura, a atenção, o cuidado por si próprio no cartório da experiência e com a carta de alforria, se entrega ao sabor do tempo do vir a ser.

Feliz? Não sei. Mas, com certeza, está tentando...