Menino do Mar

Era carnaval e conheci um menino que me causou nó nas tripas. Severiano tornou-se um grande amigo. Aguçou a sensação dolorosa da desigualdade social e me tirou o sono em alguns momentos. Deixou-me pensativo.

Migrante vindo de Sergipe, o garoto magro trabalha como vendedor de castanhas em Florianópolis, onde eu e milhares de outros babacas travestidos de bacanas tomávamos caipirinha na areia esplêndida e nos deleitávamos na água límpida do mar. Com os pés rachados da areia fervente e a timidez de quem muito sofreu, ele perambula diariamente centenas de vezes de um lado ao outro, a oferecer um pequeno embrulho de dois reais que lhe sustenta a vida. Ninguém o enxerga. Passa despercebido na multidão como alma penada, um zé-ninguém, um sujeito invisível num mundo não-seu. Rasteja num ninho de burgueses.

Tem 12 anos e é puro sonhos. Sonha em ser doutor e comprar uma pequena casa. Sonha em viver e amar. Esquálido como um bambu, seus olhos cintilam a pureza castanha das borboletas, e sua fala reflete a coragem de um grande homem. Tem saudade da cidade natal, onde deixou a família e a namorada Marta Vitória, uma galega belíssima de olhos azuis que lhe prometeu eterno amor. Corintiano e gremista, é um centroavante nato, fazedor de gols como os grandes craques dos anos 80. Sua simplicidade contagia.

Virgínia (a minha galega!) e eu nos encantamos. Conversamos à exaustão. Rimos e nos emocionamos. Afetamos e fomos afetados. Vivemos! Nunca voltarei a encontrar o garoto. Espero que o destino lhe reserve algo bom, e que boas pessoas cruzem seu caminho. Que seja feliz sempre, mesmo que triste. Assim espero...