As boas-vindas

Minha diarista foi se embora. Mudou de cidade. Anos a fio, uma ou duas vezes por semana ela aparecia. Lavava, enxugava, tirava poeira, conversava, atendia ao telefone. Sempre perguntava quem desejava falar. Pessoas sem maiores cerimônias, na verdade dispensávamos essa formalidade, e cheguei a dizer-lhe. É possível que tentasse, mas logo se esquecia e de novo lá vinha ela com o telefone:

- É pra você. É do banco.

- É do colégio. Sua coordenadora...

Achei melhor ficar assim... Era o seu jeito, e não precisávamos também renunciar a certa reverência que ela nos concedia.

Assim correram os anos... Ela trabalhava e nos dava trabalho. Deveres das crianças, pesquisas, pequenos empréstimos, ela sabia que podia contar conosco, e nós, na medida do possível, não lhe decepcionávamos as expectativas.

Nunca imaginávamos que ela se fosse... Migrante às avessas, certo dia comunicou que ia para a roça, que o marido se cansara e iam com os filhos para um sítio perto de uma cidade pequena no interior.

Veio a despedida, que nos arrancou lágrimas. Mamãe, pragmática, procurou entender os motivos, que lhe pareceram muito razoáveis, mas não resistiu e chorou copiosamente. Boas mulheres, as duas se abraçaram e prometeram ver-se em breve, afinal nossa diarista ficaria a umas duas horas de viagem...

Esqueceu-me dizer que nos preparativos para a mudança, o que mais preocupava nossa personagem eram os filhos, que ela os retirava da escola na cidade - uma boa escola pública na nossa avaliação - para dias incertos. E foi com muita tristeza que ela providenciou a transferência.

Enfim, três meses se passaram, e fomos surpreendidos com a visita de nossa amiga. Estava feliz. A vidinha no campo ia bem. O marido trabalhava, ela também praticava seu mister de diarista, e as crianças adoravam as aulas. Surpreendeu-lhe o padrão da escola, que tinha boas acomodações e até piscina... Uma van da prefeitura buscava as crianças.

Em conversa com minha irmã, nossa amiga revelou a emoção que sentiu ao ver as professoras receberem seus filhos. Um sinal de boas-vindas se estampou nos olhos e depois nos caderninhos em que uma mensagem materializava o “seja bem-vindo” às crianças e aos pais.

Cá de longe imaginei a mãe feliz recebendo a mensagem confortante em um momento de incertezas! E fiquei imaginando professorinhas cheias de tarefas, tão pouco valorizadas, felizes de receberem mais crianças, a quem transmitiriam saber e afeto, não se importando com mais trabalho, que novos alunos inevitavelmente trazem.

Sei muito bem que nossa amiga, humilde e pobre que é, por certo terá dificuldades, neste mundo desigual. Mas sei também que seu amor às crianças vai ser sempre uma força para que vá superando os entraves da vida. E não tenho dúvidas de que as mestras devotadas, que emoção lhe causaram, foram seu maior presente de boas-vindas na nova terra.