Quem tem capa sempre escapa ou Saudades do Futuro.

Tive uma avó portuguesa e outra italiana que não era avó, era ‘nona’.

Não cheguei a conhecer avô. Nem ‘nono’. Ambos tinham partido já de há muito tempo quando aportei por aqui.

A nona, Giovanna, era carinhosamente chamada por todos de dona Joaninha. Joaninha, todos sabem, é também aquele besourinho tão cheio de pintinhas que parece que pegou sarampo.

Quanto a minha avó portuguesa, poderia ter sido Porcina ou Porciúncula e quase foi Auxiliadora, mas parou no quase, dispensando a Dora.

Na minha já distante infância, sempre que chovia e ao mesmo tempo fazia sol, ouvia dela: “Chuva e sol, casamento do espanhol” ou “sol e chuva, casamento da viúva”.

Naquele tempo acreditei que todo espanhol se casava com uma viúva e toda viúva, se contraísse segundas núpcias, teria de ser com um espanhol.

Ainda hoje, quando acontece de chover e o sol brilhar ao mesmo tempo, lembro-me de suas palavras.

Outra coisa que ela costumava repetir como se fosse um mantra era que “quem tem capa sempre escapa”. Isso vinha à baila sempre que ela se punha a cantar: “ó meu santo Antonio,/ meu santo Antoninho,/ mete a tua capa/ ponha-te ao caminho”.

Aí eu perguntava:

- E pra onde é que ele vai?

- Não importa; quem tem capa sempre escapa.

Naquele final de anos quarenta, começo dos cinquenta não havia o STJ - Supremo Tribunal de Justiça. Quer dizer havia, mas não como o conhecemos hoje. O STJ que temos agora, criado pela Constituição Federal de 88 e que começou a funcionar em abril de 89 e, portanto, está às vésperas de completar 25 aninhos, tem uma visibilidade midiática inédita graças, sobretudo, ao carisma espalhafatoso do Ministro Joaquim Barbosa, primeiro negro a ser indicado para o Supremo, talvez por um capricho do Lula.

É comiserante ver a atuação das esvoaçantes capas-pretas encenando seções de galhofa ou ópera bufa com pretensões ao Oscar da Academia e seu correspondente aplauso. Temperamentos arrogantes, rancorosos, 'destemperados'. A pose beirando ao ridículo, ainda que uns se achem verdadeiros reis da cocada preta, como o primo do Collor de Mello, ou "der könig von schwarzen kokosraspeln" como o estouvado e acerbo presidente do Tribunal. A atuação de outros, como a do Ministro Gilmar Mendes, que alguns chamam jocosamente de Gilmar Dantas por razões óbvias, e cuja desfaçatez com que julga a favor de seus próprios interesses chega a causar engulhos. Todos ali esgrimindo um linguajar fósmeo, eivado de tecnicidades absconsas. Penso nisso tudo e descubro, entre pasmo e envergonhado, que minha velha avó tinha razão. Quem tem capa sempre escapa. O Cachoeira que o diga!

E como há muita gente que pouco sabe da História do Brasil e também provavelmente desconhece o fato de que um presidente do STJ já chegou a ocupar a cadeira de Presidente da República, vamos rememorar: de 30 a 45 o retrato do Getúlio ficou pendurado na parede. O calendário previa eleições para daí a pouco, mas Góis Monteiro e Dutra supunham – e não sem razão – que Vargas articulava para, mais uma vez, suceder a si mesmo, então resolveram dar um golpe preventivo, afastando Getúlio. E foi no STJ que foram buscar o nome para exercer a presidência nos três meses seguintes, até a posse do novo eleito: José Linhares, presidente do Supremo, que na sua fugaz passagem pela Presidência da República (exatos 93 dias) conseguiu a proeza de arranjar nomeações para toda família. E sua família era das mais numerosas, a ponto de que rapidamente se vulgarizou na boca do povo a cantilena “os Linhares são milhares, são milhares os Linhares”. Nepotismo total; a festa do caqui. Mas, como não há mal que não se acabe e nem bem que sempre dure, ao apagar das luzes de janeiro de 46 o General Eurico Gaspar Dutra foi empossado na Presidência onde ficou até o final de janeiro de 51, quando passou a faixa presidencial para Getúlio que então voltava nos braços do povo, eleito pelo voto direto. Ou, como dizia Samuel Weiner, voltava como líder de massas.

“Bota o retrato do velho outra vez,/ bota no mesmo lugar,/ o retrato do velhinho faz a gente trabalhar”.

(sujeito a continuar, se houver quórum)