http://www.youtube.com/watch?v=q_nFsCrEmXQ&list=PLF5F8F106BE6A8205&feature=share&index=2

(Opus 111- segundo movimento)

                                  A música

                                   " A música é a sobremesa da vida"
                                                          Artur da Távola

 
                        O jornalista mais sagaz e influente da América do Norte, Mencken,  em sua época,  diz, sem rodeios, que a arte maior de todas é a música. E que a pintura é uma arte menor. Eu fiquei pasmo, pensando que a pintura fosse uma grande arte.  Ele argumenta que os homens da caverna desenhavam muito, sem problemas, daí ele considerar algo fácil de fazer. Além do mais é uma coisa estática.  E na música, o jornalista americano coloca Beethoven na frente de todo mundo, até mesmo do grande Wagner.  A Heróica ou Eróica é arte inigualável. Os críticos dizem que ele quis homenagear Napoleão ( que Beethoven passou a abominá-lo).  Parodiando o jornalista americano, eu diria que a música é tão espetacular, que se ele tivesse dedicado sua obra para qualquer político brasileiro, mesmo assim, a  sua obra seria insuperável.
                        Não sei se já disse para os amigos que meu primeiro contato com a música foi de total incompatibilidade de gênios. Desafinava demais. No coro (vamos dizer celestial) do seminário fui obrigado a fingir que cantava. Só abria a boca, mas sem emitir qualquer som audível.
                        Acho que me irritei tanto com isso que também não confessava meus pecados para o centenário Pe. Pedro. Apelava para o genérico (fui moderno para a época). Dizia, simplesmente: - “ Pe. Pedro, fiz coisas feias”.  E a penitência era sempre a mesma: três Ave-Marias e três Padre-Nossos. Sempre me espantei com tão pouca penitência. Ele deveria julgar que minhas coisas feias não eram tão feias assim. O ser humano se engana demais, vive no erro...
                        Acabei me esquecendo o porquê estou dizendo essas coisas. Ah! Lembrei-me. É pra dizer que resolvi entender a música clássica e li sobre um músico alemão que dissertava sobre as sonatas do Beethoven.  
                        Passei a ouvir a sonata opus 111. Nem sei se o título correto é esse, dada minha absoluta ignorância em matéria de música clássica. Estacionei nos boleros, tangos, valsas, blues, jazz e muito pouco da bossa nova. Fiquei sabendo que as valsas são irresistíveis para um casal romântico. O casal, depois de muito valsar, acaba atrás de uma porta, e a musa beija loucamente o seu amado.  Chopin fazia músicas mais populares, gostosas, mas era inferior ao Beethoven.  Voltemos ao músico e professor alemão. Pela leitura,  entrei numa discussão transcendental para saber a razão do nosso músico Beethoven, no opus 111,  ter parado em apenas dois movimentos e não ter feito um terceiro movimento. O que pude entender, meus amigos, é que o segundo movimento é muito longo, cheio de peripécias, a música exalando muita raiva, insatisfação, etc.,etc. E o final é surpreendente: após um dó inicial, antes do ré, aparece um dó sustenido, quer dizer, que se sustém para o autor falar de sua bondade, com um céu azul e um doce amor. Um final que se concilia com o mundo, entendem?  Os ouvintes ficam de "boca aberta". Como sempre, preciso dar uma parada para dizer aos amigos e amigas o seguinte: conversando com um amigo de Brasília, ele me disse que decorou sua casa com tal suntuosidade só pra ver as visitas exclamarem: - "Oh!!!!".  E a sonata nos provoca esse "Oh!!!",  com uma declaração de humanidade, e nós ouvintes sentimos um adeus, um adeus definitivo, deixando nossos olhos  cheios de lágrimas.  Claro, amigos, ao ouvir hoje a sonata, pela primeira vez, confesso, não pude sentir toda essa maravilha que o professor alemão nos ensinou.  No entanto, diante do meu momento existencial, esta música fez estremecer minha alma, principalmente ao ouvir as fugatas de Beethoven. Na quadra final do meu existir, fosse um músico, tocaria uma sonata toda em ré menor, com muitas semicolcheias, mínimas, alguns bemóis e dó sustenido, como nota final,  traduzindo meu último grito de desamparo. (Oh!, a idade já chegou...)
                        Aprendi muito com esse jornalista. A música é o ponto máximo da cultura. Além disso,  é a dimensão do espírito.
                        Mencken fala também da  prosa. A prosa, segundo ele, não tem biombos onde se esconder.  A prosa não pode usar máscaras ou perucas. Deve ser fabricada pelo pensamento e pelo esmero. Dá trabalho. É das mais importantes das artes que lidam com a palavra. Penso que o jornalista aí se enganou, claro que nos escondemos através da palavra.  Ele silenciou sobre a arte da oratória. No meu entender é a mais difícil das artes e está em primeiro plano, tanto quanto a música. A música de verdade, bem entendido, não das “pauleiras” modernas, onde se sente um desvario dos sentidos, uma agressividade selvagem traduzindo toda essa violência que assistimos impassivelmente de nossas “comunidades”. (tenho a maior implicância com essa palavra)
                       
                        Mas não devo terminar sem dizer por que o nosso Beethoven não fez o terceiro movimento (com certeza, algum leitor ou leitora, com curiosidade gostaria de saber).
                        Afinal, alguém perguntou ao grande músico por que não o terceiro movimento no opus 111.  Esperava-se uma resposta bem transcendente. Ele respondeu secamente: “não fiz o terceiro movimento simplesmente por falta de tempo.”