EMULSÃO DE SCOTT

O texto a seguir foi extraído de “Crônicas da Vida Inteira”, livro inédito sobre fatos da minha vida, adaptado para o Recanto das Letras.

EMULSÃO DE SCOTT

Ainda hoje eu sinto arrepios ao lembrar as colheradas cheias de extrato de fígado de bacalhau, que, lá pelos meus seis a sete anos, mamãe me dava não sei quantas vezes ao dia, porque eu era meio empalamado. O negócio, além de fedido, era de um sabor insuportável que muitas vezes me provocava ânsia de vômito. Eu me dominava e não vomitava mesmo com medo da pazinha com que mamãe, nos momentos de precisão, nos amaciava os glúteos,conforme contei em crônica anterior. Onde já se viu desperdiçar remédio caro!... E eu tive que tomar doze vidros, dos grandes, daquela gosma horrível que um odioso farmacêutico prescreveu. A coisa vinha num recipiente de base elíptica que tinha, fundido na lateral do próprio vidro, um homem com um baita peixe às costas. Eu acho que minha aversão por frutos do mar até hoje é devido a tal Emulsão de Scott. Era este o nome.

Pois o que não me agradou, nadinha mesmo, logo na chegada ao seminário de Corupá foi aquele cheiro nojento e nada saudoso que eu não sabia de onde vinha. Cheguei a pensar que tivessem passado o tal unguento fedido pelas paredes, pelo assoalho... Sei lá, por tudo, pois aonde quer que eu fosse, o maldito cheiro da tal emulsão lá estava.

Foi somente lá pelo terceiro ou quarto dia que descobri a nascente do tal cheiro. Estávamos na capela para a adoração ao Santíssimo. Depois da reza do terço tínhamos uns quinze minutos de silêncio para meditação ou orações particulares até a hora da bênção. Pois foi aí que a coisa aconteceu. O colega ao meu lado soltou aquele bocejo pra minha banda, que quase me asfixiou. O bafo do infeliz era Emulsão de Scott purinha.

“Tá aí a razão de eu sentir este cheiro horrível por todo lugar!”, pensei com meus botões.

O prezado leitor vê só o meu azar: o danado do colega, um italiano bem nutrido, me perseguia como a sombra. Ficava ao meu lado não somente na capela, mas no refeitório, na sala de estudo, e até no dormitório sua cama ficava ao lado da minha. Era uma perseguição sem trégua.

Depois de algum tempo eu descobri que ele tinha guardados vários vidros da tal emulsão em seu armário e que a tomava por gostar. Mas por essa altura eu já tinha me livrado do vizinho indesejado. Pois um dia eu me enchi de coragem e contei o fato pro padre prefeito de disciplina, que prontamente me removeu pra outro lugar tanto na capela quanto no refeitório e demais ambientes. Mas cada vez que ele, o dito padre, me topava fazendo algo errado, vinha com a ameaça zombeteira:

— Olha que eu te mando de volta pro lado do fulano!