Amigo!

Estava há muito tempo para escrever sobre um amigo, quem já leu algum de meus contos com certeza se deparou com o nome do Renato. (Academia pqp)

Solterão por opção, não acredita em casamento!

Sua vida é baseada em livros e a feitura de palavras cruzadas.

Com mais de sessenta, que na verdade aparenta quarenta, tem uma rotina militar. Acorda, toma banho, come todo o dia duas bananas e café sem açúcar.

Antes que esqueça, deixe-me citar seus livros, que devem ser umas cinco dezenas de volumes variados, que vão de Ian de Flaubert e Thomas Mann a Chersterton e Morris West, aliás é o que ele possui verdadeiramente de seu, afora um relógio de pulso com a figura do Mikey estampado no mostrador, uma velha vitrola marca Canadyan, dois pares de sapatos pretos iguais, duas camisas de colarinho brancas, três gravatas sóbrias,e seu uniforme de "Socorrista". Comento isto com vocês para que saibam o quanto eu o conheço. É um cara metódico, preciso e cortês mas muito introspectivo, por isso tem poucos amigos .

Renato faz tudo automaticamente, inclusive ligar a vitrola que foi uma herança de seu velho pai, onde ouve seus discos prediletos. Tem duas coleções, uma de Bethoven e outra de Bach. E todos os dias que ouve Bethoven, ao acabar, ajoelha e chora.

E nos dias que ouve Bach fica por horas calado olhando para o nada e logo em seguida dorme.

Afirmar categoricamente que ele só possui o relógio, o livro as roupas e a vitrola, não é bem exato, numa gaveta de um armário ele guarda um violino com muito carinho, que em dias especiais como Natal, Reveilon e meu aniversario ele toca Shubert.

Diz ele, que o violino foi comprado pelo seu pai em l930, num porto em Salvador, de um marinheiro.

Tenho muito orgulho quando ele toca o instrumento e mais ainda quando ele coloca a data de meu aniversário como dia de seu “concerto”

Vocês devem estar imaginando que este pequeno texto é uma homenagem ao meu amigo, se assim entenderem eu aceito, porque o meu amigo a merece.

Mas o meu objetivo é mostrar que ainda neste mundo existem pessoas que nos surpreendem o cada momento.

Renato mora em um quarto de pensão, não tem família alguma, ninguém!

Sua renda é para uma vida das mais modestas e inclusive nos finais de semana seu prato principal é o (restodontê), e sabendo disso, sempre procuro arrumar um motivo para carregá-lo para o “sorteio do bife” aqui em casa.

Neste domingo, Renato chegou mais quieto do que de costume, não fazia seus costumeiros “Ham” “nem Hum”, como estou acostumado com o seu “tagarelar”.

Imaginei que ele deveria ter ouvido Bach antes de vir para minha casa, ainda mais que estava com uma sacola que pelo formato devia ser o violino.

Tive vontade de perguntar por que ele estava com o instrumento, ainda mais que não havia “data importante”.

Num momento que estávamos sós ele me diz:

-Kia gostaria de lhe pedir um grande favor.

Fiquei surpreso, porque para o Renato dizer uma frase completa, devia ser algo muito sério.

-Que foi amigo?

Ele me olhando, calmamente me disse:

-Gostaria de lhe pedir para que, se algo me acontecer, você pega o meu violino e o joga no mar!

-Como?

-Amarre uma pedra e o jogue no fundo do mar porrra! Você faz isto pra mim?

Ele levanta-se e não me dá tempo de lhe perguntar mais alguma coisa.

Pega a sacola, retira o estojo do violino e delicadamente me trás o instrumento.

-Dê uma olhada amigo.

-Como?

-Dá uma olhada aqui dentro!

-Estou sem óculos, não enxergo nada.

-Tu estás cegueta mesmo! Mas está certo?

-Certo o que?

-Que se eu me fu* posso contar contigo?

-Claro amigo, sabes que podes contar comigo sempre e em qualquer circunstância!

-Estou falando é do violino! e vai pegar teus antrólhos de uma vez!

-Pronto cara o que é para eu olhar?

-Aqui dentro, lê!

-Li: Antonius Stradivarius Cremonesius

Faciebat-Anno 1712.

Tenho um amigo que não sabe o que tem!

Mas eu sei o amigo que tenho!

Pela minha vida e honra se um dia o meu amigo “viajar”

o violino que na verdade é uma relíquia, uma preciosidade e raridade e segundo minha pesquisa vale milhares de reais e que foram fabricados apenas 10 unidades entre os anos de 1712 e 1725,

vai para o fundo do mar!

Enquanto isso quero é mais curtir nossos “papos” monossílabos até que... nunca aconteça!