Trocar a filha

Zilka estava concentrada digitando um histórico escolar quando Dona Ivonete chega na secretaria. Ao ver a mulher Zilka já respirou fundo e engoliu seco com se estivesse engolido um enorme sapo.

- O queridinha. Vim aqui de novo. É uma absurdo essa escola sabia? Já é a terceira vez que venho aqui esse ano para reclamar.

- Quarta. - Disse Zilka com os olhos no computador.

- Pois é queridinha, a quarta vez né...

Zilka não suportava mais o falatório da mulher e não lhe dava mais atenção e ela não parava de falar.

- O que vocês pensam só porque é escola pública a gente tem que aceitar tudo? Não minha filha. De jeito nenhum! Luto pelos meus direitos e minha filha não vai ser tratada assim como um cachorro...

A secretária não prestava mais atenção nas reclamações da mulher e se colocou a reparar em suas unhas enormes e rosa choque. Dona Ivonete falava com as mãos e as unhas enormes chamavam a atenção. Zilka desviou os olhos e foi reparar os enormes anéis da mulher com pedra de um azul muito claro mas ao mesmo tempo muito chamativo. E foi vendo a blusa muito justa de estampa de onça. A blusa parecia ser uns três números menores que Dona Ivonte usava, muito apertada Zilka contou três ou quatro pneus. Depois se pôs a reparar os enormes óculos de sol marrons e redondos que cobriam quase todo rosto da mulher. Subiu os olhos e ficou olhando as raízes pretas e meio grisalhas da mulher e o resto de luzes mal feitas que desciam pelo seu cabelo muito seco preso em um coque mal feito.

- Você entendeu minha filha?

Zilka pareceu acordar com o grito da mulher e piscando várias vezes os olhos concordou com a cabeça e rodopiou na cadeira voltando a prestar atenção na tela do computador enquanto a senhora continuava a reclamar...

- Então é isso... Essa sala classe não presta! Quero outra sala... Quero trocar minha filha...

- Ninguém vai querer trocar aquela peste, menina sem educação, sem respeito algum, uma jumenta só vive dando patadas nos outros e vai ser burra só olhas as notas dela! Também com uma mãe dessas tinha que dar nisso... Não seria trocada nem por meio quilo de batatas. Não vale nem uma bala chita! Não vale um papel higiênico usado!

E um silêncio total se fez. Zilka que estava com os olhos no computador percebendo o silêncio extremamente denso rodou na cadeira olhou pros lados e viu as outras duas secretárias de boca aberta e Dona Ivonete tirando os óculos com os olhos arregalados.

- Eu falei isso? Falei?

As colegas de trabalho apenas concordaram com a cabeça.

-Eu jurava que estava pensando alto.

Dona Ivonete bateu a bolsa azul na mesa e saiu bufando. Enquanto Lucília e Patrícia batendo palmas abraçaram Zilka que ainda assustada com tudo ficou imóvel.