A curandeira!

Mãe é mãe e não se discute. Mas a minha, a D.Eva, era possuidora de algumas características muito especiais, além de todas aquelas que só ela possuía. Nascida em Bagé, na região da campanha gaúcha, desde menina demonstrou inclinação para a medicina, profissão que não pôde seguir, pois na conservadora estrutura da sociedade da época, não era recomendável que as moças enveredassem por outros caminhos que não o do magistério ou donas de casa. E assim aconteceu... Após casar-se e ter filhos, a Dona Eva pode dedicar-se á sua vocação maior, exercida juntamente com a profissão de professora. Com um “olho clínico” certeiro e uma incrível capacidade de diagnosticar, sempre achava e receitava o remédio certo para as nossas moléstias de infância. Tinha uma predileção toda especial pela homeopatia, cujas doses, em pequenos glóbulos açucarados eram ministrados em profusão. Especialista em chás e infusões de todo o tipo, era perita em receitá-los para quase todas as mazelas, desde as simples cefaleias, passando pelas dores de barriga e até para o mau-dormir infantil. Aí entravam a erva-cidreira, a camomila, o chá de quebra-pedra e muitos outros que compunham a sua variadíssima farmacopeia fitoterápica caseira. Também faziam parte do seu arsenal terapêutico os medicamentos alopáticos, que eram usados nos casos mais complexos ou de urgência: remédios para aliviar a febre, os xaropes para aquelas tosses noturnas irritantes, o melhoral infantil, a cibalena (será que ainda existe?) para as dores de cabeça mais renitentes e muitos outros mais. Eram onipresentes o “Leite de magnésia de Phillips”, o qual era vendido em vidros azuis, sendo também o medicamento preferido da minha avó materna, que eventualmente tentava se aventurar misteriosos meandros do curandeirismo caseiro. Havia também o terrível “Óleo de Fígado de Bacalhau”, medicamento que era utilizado como preventivo para algumas mazelas que nunca consegui descobrir quais seriam e do qual sempre que era possível, a gurizada fugia para não ser medicado. Era também muito hábil para organizar as dietas da gurizada, que consistiam quase sempre em canja de galinha, cujo sabor jamais me esqueci, acompanhadas por bolachas de água e sal e guaraná ou um simples mingau de maizena. Exímia aplicadora de injeções e "enfermeira" de primeira linha, seus curativos eram obras de arte, e esgrimia esparadrapo, mercúrio - cromo e mertiolate com maestria, sendo muito requisitada também por vizinhos, conhecidos e parentes para exercer cuidados de enfermagem. De competência comprovada, seus certeiros diagnósticos quase nunca eram contestados pelo nosso também competente Pediatra, o qual se limitava, na maioria das vezes, a referendar o procedimento terapêutico adotado pela Dona Eva e ir embora tranquilamente. Corajosa, não se intimidou jamais, enfrentando gripes, sarampos, caxumbas e coisas do gênero com competência e coragem. Esfoladuras, arranhões, mordidas de cachorro, dedos, braços e pernas quebrados, pés torcidos, queimaduras, cortes de todo o gênero, “galos na cabeça”, olhos pretos... Tudo isso e muito mais, foi enfrentado e vencido. Nada foi páreo para ela....venceu tudo!! Além das capacidades médicas incomparáveis que possuía em profusão, nunca faltou no seu arsenal terapêutico,o maior e melhor remédio de todos: a sua inesgotável capacidade de amar os seus filhos! Vai em paz,mãe.... Não deixa de me cuidar...