Pelo sim, pelo não...

Sou insone. Ah, vocês não sabem como eu sofro. Algumas noites, eu passo acordado; outras, não consigo dormir. Meu sono obedece a turnos: meia hora fora do ar por 40 minutos ligado.

Passo boa parte das noites inventando: navego pela internet, ouço música, estudo, leio, escrevo, tomo banho (muitos banhos)... Às vezes, apelo para a contagem de carneirinhos. Certa feita, contei 5837. Isso mesmo: cinco mil oitocentos e trinta e sete.

Tenho o hábito de me deitar com a televisão ligada. Na maioria das noites, nem me importo com o que a telinha mostra; o barulho me é suficiente.

Vocês sabem que durante as madrugadas os pastores milagrosos estão de plantão para enganar e convencer os incautos. Já falei a respeito: eles fazem de tudo para, em nome de Deus, conseguir uma contribuiçãozinha a mais.

Como existem seitas e salvadores! Tem domador de capeta, tirador de espírito, curador de câncer, de hemorróidas e de aids, reparador de chifres, fazedor de dinheiro, arranjador de casamentos, sarjador de marias-pretas, agregador de famílias, orientador de drogados... Eles oferecem, também, reparador de unhas encravadas e tampador de escorrimento(sic).

Inventaram reuniões com centenas de pastores, entrega de sementes milagrosas, passagens por fogueiras abençoadas, besuntação com óleo-de-sei-lá-o-quê, simpatia da rosa ungida, benzimento com sal do mar Morto, aluguel de cruzinha-pra-espantar-o-demo, porrada com o cajado de Moisés, martelada com um martelo-de-fogo, proteção com o manto da riqueza... Tem até pau pra bater em doido e apito pra chamar anjo.

Por não dormir, à noite, compenso com uma boa soneca depois do almoço.

Na tarde da quarta-feira passada, dormi um pouco mais e acordei com uma voz dizendo: “[...] Tome o banho azul por dezesseis dias, tape o umbigo por três, e durma com o pescoço pra baixo(?) na próxima sexta-feira”. Na Rede Bandeirantes, Claudete Troiano - programa Pra Valer - apresentava Márcia, uma terapeuta espiritual(?), que dava receitas de simpatias para que os incautos espectadores se livrassem de espíritos e de inimigos.

“Agora deu,” pensei, “a Band e outras redes, durante as madrugadas, apresentam pastores, mães-de-encosto-aposentadas e pais-de-santo-arrependidos que condenam qualquer atitude sobrenatural que não parta de seus templos e, durante a tarde, promovem a venda de banhos e patuás para proteger o sofrido povo brasileiro”.

“Pelo menos”, concluí, “eles ajudam a movimentar o PIB da combalida economia nacional: o que um faz às quatorze horas, o outro desfaz altas horas da noite. Naturalmente que estas medidas envolvem custos.”

Aquela “terapeuta espiritual” chegou às raias da irresponsabilidade dizendo que os temores sentidos pelas crianças nada mais são do que manifestações mediúnicas.

“Pronto,” pensei novamente, “aos cinqüenta e três anos descobri que eu era médium quando menino.” Tive medo de lobisomens, de vampiros, de múmias, da cobra-que-não-existe, de sapos-boi, de cruvianas, do Matita-perê, de ataque de índios que se escondiam por detrás da Serra da Lua... O livro Alice no País das Maravilhas me provocava verdadeiro pânico.

Graças a Deus, a terapeuta espiritual esclareceu meus temores infantis (Não sei quando deixei de ser médium. Acho que me curei com a chegada da adolescência, ao mesmo tempo em que deixei de ter medo de mulher pelada com aquela coisa cabeluda).

Não acredito em nada disso: nem nas causas nem nas curas.

Mas, pensando bem - por via das dúvidas -, hoje à noite, depois do banho, vou passar duas xícaras de pó de pirlim-pim-pim pelo corpo, inaugurar meu recém adquirido martelo de fogo, tomar um gole da água que mandei buscar em Codó (MA), acender um incenso à base de bosta de vaca prenha e me cobrir com o manto da riqueza.

Epa-ê, Iansã!

(Em tempo: durante o programa Pra Valer, algumas legendas como “Anel no dedão atrai imagens negativas”, “As baladas são cheias de espíritos negativos”, “Azar? Falta de dinheiro? Cuidado. Isso pode ser encosto”, dentre outras, apareciam na tela.)

e-mail: zepinheiro1@ibest.com.br

Aroldo Pinheiro
Enviado por Aroldo Pinheiro em 05/05/2007
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