Diário de Sonhos - #072: Namastê

"Namastê é um cumprimento ou saudação falada no Sul da Ásia. Literalmente significa "curvo-me perante ti"; a palavra provém do sânscrito namas, "curvar-se", "fazer uma saudação reverencial", e (te), "te".

Quando dito a outra pessoa, é normalmente acompanhada de uma ligeira vénia feita com as duas mãos pressionadas juntas, as palmas tocando-se e os dedos apontando para cima, no centro do peito. O gesto também pode ser realizado em silêncio, contendo o mesmo significado."

(Wikipédia)

Sonhei que eu estava a serviço na estação São Bento do Metrô de São Paulo. Estava cuidando do fluxo de usuários na catraca, quando ouvi gritos e em seguida pessoas correndo, fugindo da estação. Logo em seguida vários funcionários fugiram para dentro dos vestiários. Meu chefe desce correndo as escadas e eu vou atrás dele pra saber o que está acontecendo. Ele conta que há um demônio na estação:

- Foi a Terezinha. Alguém chamou ela no Nível B pra ajudar um deficiente em cadeira de rodas. Era uma velha muito esquisita, toda despenteada. A Terezinha foi ajudar, e então a velha perguntou se ela acreditava em Deus. Ela respondeu que não, que era coisa de gente burra. Mas a velha era na verdade uma bruxa e lançou um feitiço na estação. Tá tudo desmoronando lá em cima.

Todo os barulhos de concreto rachando e pessoas gritando de repente silenciaram. Através da parede eu ouvia uma voz muito grave e disforme falando palavras numa língua que eu não conhecia. Parecia uma espécie de reza maldita. O chefe pediu que eu fosse até lá:

- Quê?

- Vai lá Renan. A Terezinha tem restrição pra levar cadeira de rodas. Só embarca a véia no próximo trem e o pessoal que se vire com ela lá na frente.

Com muito medo eu comecei a percorrer o trajeto até o Nível B. Tinha medo da bruxa, mas tinha ainda mais medo de perder meu emprego. A cada passo que eu dava, a reza ficava cada vez mais alta. Parecia que cada sílaba entoada pela bruxa era repleta de ódio e crueldade.

Cheguei ao Nível C. Tudo estava devastado. As lojinhas da Boticário e da Nextel estavam destruídas. Destroços e pedaços de metal retorcido espalhavam-se por todos os lados. Então subi na última escada rolante que dava acesso ao Nível B.

Uma luz muito forte me cegava. Quando consegui abrir os olhos não acreditei no que vi. Normalmente o Nível B era um corredor de uns 5 metros de largura, com as catracas ao lado esquerdo e uma parede de vidro à direita. Eu estava num terreno aberto. Numa planície toda branca e luminosa onde não se podia ver mais nada a partir de 10 metros de distância devido à intensidade da luz. À minha frente havia uma estrutura, uma escada larga feita de puro ouro, com tochas reluzentes de fogo branco sob castiçais nas beiradas. Essa estrutura era carregada por um milhão de escravos, todos acorrentados uns aos outros pelos braços, formando uma estrutura sólida. No topo da escada, sentada num trono de ouro, estava a bruxa. Uma criatura cuja descrição dificilmente fará jus à euforia que eu senti quando acordei do sonho. Ela era toda negra, muito negra, contrastando violentamente com o cenário branco. Era alta e desproporcional, devia ter uns três metros de altura. Usava um manto rasgado. A cabeça era desproporcionalmente menor que o corpo. Cabelos longos e arrepiados em todas as direções, cada fio vivo, me lembrando a Medusa da mitologia grega. De sua boca e de seus olhos emanava um intensa luz branca, muito mais forte do que a que iluminava o ambiente. A expressão em sua face é difícil de descrever, mas me lembrava algo como tristeza, agonia e decepção.

O único som era o de sua voz, grave e disforme, igual quando a gente pega uma fita K7 ou um disco de vinil e desacelera. Era uma voz potente, cruel, soberana, mas ao mesmo tempo triste e desesperada. A bruxa olhou fixamente para mim. Senti como se ela estivesse me abrindo e me lendo como um livro, como se estivesse assistindo à toda minha vida num filme. Comecei a chorar, sem conseguir me controlar. Ainda tinha medo, mas ao mesmo tempo ganhei coragem. É difícil explicar. Aproximei-me lentamente, vacilando a cada passo, até que consegui firmar o andar. Subi a escadaria dourada, sentindo firmeza a cada degrau. Parei logo à frente da bruxa. Uni minhas mãos em forma de prece e pronunciei a saudação:

- Namastê.

Curvei-me logo em seguida, ainda com as mãos em forma de prece. E acordei.

Se você já leu algum dos meus outros sonhos, talvez tenha lido em algum lugar sobre uma particularidade minha: quando eu acordo de um sonho intenso, demoro alguns minutos até perceber que estou acordado. Fico como se fosse num estado de transição entre fantasia e realidade. Certa vez sonhei com um fantasma, e quando acordei vi a imagem do fantasma me olhando ao pé da cama por alguns segundos. Tem um nome pra esse evento, que agora não lembro, mas é como se a imagem do sonho ficasse estampada na sua mente e você ainda consegue vê-la por alguns segundos logo após acordar. Bom, hoje eu acordei deste sonho e consegui ver o rosto da bruxa por alguns segundos. Fiquei paralisado de medo na cama. No fundo da minha alma, eu acreditava com todas as forças que estava diante do deus Shiva.

Namastê.

Dez de abril de dois mil e quatorze.

Renan Gonçalves Flores
Enviado por Renan Gonçalves Flores em 10/04/2014
Reeditado em 10/04/2014
Código do texto: T4763585
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