A donzela imponente

A tarde amansava todos na casa, exceto eu. Encontrava-me na cama, tapado até os olhos, febril. Por uma pequena fresta do edredom vi uma teia de aço, uma aparentemente inofensiva antena de televisão. Aquele objeto contrastava com o céu azul-claro, dava um tom metálico àquele espetáculo da natureza. Disputava, em imponência, com uma roseira intrusa, que resolveu crescer demais da conta. A donzela de aço ganhava. Pensei em como uma coisa criada pelo homem poderia ganhar de uma criada por Deus. Parecia-me impossível aquilo.

E ela estava ali, senhorita, sobre a casa da vizinha, no comando. Pensei na importância de tal objeto. “É muito importante”, exclamei para os meus próprios pensamentos. Quando não trabalha direito, é logo bajulada por todos da casa. A criança chora pela sua compaixão. O pai fica nervoso, e a mãe tenta distrair a todos. Sem ela, tudo é sem graça, as coisas perdem sua nitidez, ficam opacas.

Se ela trabalha direitinho, tudo na sua ordem. O pai descansa do serviço; as crianças dividem a atenção entre a TV e tarefa da escola. Às vezes se perdem no turbilhão de estímulos e de sensações fruto daquela senhora que, de cima da casa, enche todos de distração, até os mais esnobes. Esses, muitas vezes, tentam resisti-la, mas em algum momento de solidão se entregam completamente.

Se ela tem alma de pomba ou de um anjo negro, isso não sei. Tudo depende de como e por quem é observada. Pode terminar com as conversas entre primos ou até com o namorico da praça. O almoço em família já foi arrebatado por essa senhorita. O cineminha do final de tarde a teme. A mãe às vezes a excomunga, pois o filho anda avoado. Mas no fundo lhe bate palmas quando ela entretém a criança enquanto ela faz o almoço. É muito difícil desprezá-la ou adorá-la simplesmente.

Depois de especular sobre a importância do fruto da caranguejeira, pensei um pouco sobre o que se passava. Passei vários dias neste quarto onde agora escrevo esta crônica para notar a teia que habita sobre mim. Ah, bendita doença! Ah, febre sem quê nem porquê! Tu me fizeste acordar para as sutilezas de tão importante objeto; tu, penetrando profundamente nos meus olhos, fizeste-me enxergar com menos opacidade aquela enigmática teia, que ainda está lá, sobre a casa da vizinha do lado.

Fábio Stoffels
Enviado por Fábio Stoffels em 06/05/2007
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