Aos trinta

Passei um bom tempo sem escrever. Coincidentemente, foram nesses anos que consegui me afastar de mim, do que creio e do que me faz viver. Antecipo que não sou uma escritora assídua, tão pouco uma leitora apaixonada, dessas disciplinadas que leem pelo menos um bom livro por mês. Quando eu sinto que as palavras não saem, ou saem sem muito nexo, penso que é hora de redigir o pensamento. Cada um tem a sua válvula de escape. Desde criança a minha era um caderno e uma lapiseira, ponta 0.7. Ainda me lembro de um diário azul com capa de papel de carta. Tinha cadeado e chavinha. Um parentese, caro leitor, minha infância foi muito bela. Ela encerrou as gerações passadas de infâncias lúdicas, com amizades duradouras, de amigos que fazíamos nas ruas e de regras inquestionáveis dos nossos pais. Melhor do que ter sido criança na década de 80, 70, 60 e por aí vai, foi ser criança na década de 90. Aos trinta, percebo que fiz parte de um encerramento com chave de ouro.

Voltando. Fiquei muito tempo sem escrever. Comecei muito cedo, pois sempre que desejava falar algo saia torto, errado. Meus pais não eram aqueles pais dos filmes da Sessão da Tarde. Tive todo o amparo e educação que formaram o meu caráter, mas diálogo não era algo real na minha família. E eu dei um jeito. Comecei a escrever tudo aquilo que sentia. Não era bem um "querido diário, hoje eu sentei ao lado do Bruno e jogamos bolinha de gude no recreio". Não era assim. Eu queria dizer ao Bruno que ele era meu melhor amigo, o mais legal, o mais divertido e que queria me casar com ele para assistirmos futebol juntos. Mas não dava né? Eu não sabia fazer isso. Então eu escrevia (e bonito viu?). Escrevia sobre amizade, sobre futebol e casamento, aos 12 anos. Sim. Aos 12. Comecei a pensar como seria o meu primeiro beijo, com o Bruno é claro. Mas acabou que nem foi com ele, porque ele deixou de ser meu amigo...

Então eu brigava com o meu irmão. Depois de gritar e vencer no grito, vinha o arrependimento. Então eu escrevia sobre herói, perdão e amor.

Porque falar sempre foi complicado demais.

Hoje aos trinta, resolvi "reler as últimas obras da minha vida". Houve uma pausa de 3 anos. Páginas em branco. Isto despertou em mim a minha maior fragilidade: o falar. Falei demais. Falei. Puxa vida como falei. Falei de mim, falei dos outros, entrei na vida virtual e como minha mãe diz 'me estrumbiquei'. Agradei e não me agradaram. Conheci pessoas que foram atraídas por um magnetismo falso. Não era eu... Vida virtual. Pessoas que se desmancharam na tela do computador.

Eu gosto mesmo é de gente de verdade. Eu substitui meu caderno azul pela tela do meu computador, afinal pelo meu caderno não haveria comunicação com ninguém. Ah, outro parentese: eu escrevia cartas aos amigos. O Bruno recebeu 2 quando me mudei de Nerópolis. A Aline, a Juliana e a Letícia também.

(Volta)

Procuramos por tudo nas redes sociais: namoro, amigos, sexo, mentiras, ilusões, informações, diversão, ócio... Às vezes não procuramos nada. Muitas vezes nos perdemos.

Ontem mandei um sms (MENSAGEM) para uma amiga que reencontrei no Google+. Ela não me respondeu. Só isso. Ficou uma interrogação em mim. Pensei em escrever uma carta. Opa, não tenho o seu endereço.

Certo. Continuo afirmando que gosto das coisas de verdade. Gosto de mim. Desgostei por 3 anos. Ah... Só atraí desgosto...

Um dia veio o ponto final. Descartada por um sentimento que sabia tão pouco dos meus, desci a rua Augusta. Tanta gente estranha. Tanta gente pesada. Liguei para minhas duas melhores amigas. Elas não puderam me confortar. Continuei andando com dor nas ancas. Sentei sozinha num bar hiper aconchegante e tomei a melhor cerveja da minha vida. Founders. Cinco anjos me chamaram para me sentar com eles. Sem maiores descrições. Anjos. Para eles, um mero acaso, uma nova amiga. Para mim, a certeza do tipo de pessoas que atraio quando me amo.. Gente de verdade que não me chamavam no Facebook. Gente que me telefonava ao fim da tarde, surpreendentemente: Mari, estamos no Starbucks, sobe aqui. Mari, onde você está? Vamos comer lá no vegetariano. Não havia agendas. Era espontâneo. Era verdadeiro. Eu os via, eu os abraçava e escrevíamos juntos tomando café, em pleno ano de 2013!!!!

Ora meu Deus, então eu vi que escrever é bom, mas falar é humano. É de verdade. É possível fazer um balanço sim..

Minha vida não está no que vejo no computador. A internet me trouxe as 3 derrotas que jamais hei de viver novamente: a ilusão, a mentira e a traição. Olhar para cada pedaço do meu corpo e refletir sobre quem eu sou me fez retornar ao paraíso que me formou, que me fez ser quem eu sou. Grata? Sim e muito. É tudo de verdade. Mas não me lembro da última vez que seguraram na minha mão, olharam nos meus olhos e disseram: como você está? Do fundo do coração, quando a gente sente. Isto ainda é difícil de lidar. Ter uma vida quase perfeita faz com que as pessoas achem que está tudo bem. Um colo faz falta. Claro. Mas para não cair na idiotice das páginas em branco, venho aqui escrever um pouco. Não dá pra falar hoje. Escrevo e fica para sempre.

Ofertar flores não precisa ser um ato literal. Os dedos podem fazer o papel de pétalas num afagar.

Hoje é dia de silêncio, mas não de tristeza. Porque se resolvi escrever é porque o amor veio aqui, me deu um beijo e disse: oi...

Mariane Dalcin
Enviado por Mariane Dalcin em 16/04/2014
Reeditado em 19/02/2022
Código do texto: T4771592
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