O avalista do céu

Não me lembro se tínhamos dezesseis ou dezessete anos, mas me lembro onde estávamos. Assentados em um banco de madeira dentro do ginásio do colégio, olhávamos nossos colegas jogar e brincar na quadra depois da educação física. Meu amigo chorava. Seu Avô havia morrido. Estava inconsolável.

“Cara, me explica, então pra quê? , pra quê? Por que viver, estudar , trabalhar, se tudo acaba assim?”

Doía ver aquele amigo que eu tanto gostava tão triste e atormentado. Minha vontade de dizer alguma coisa que pudesse acalmá-lo era tão grande que busquei no meu coração as palavras. Encontrei-as, certamente com a ajuda Divina.

“Duda, tenho certeza, certeza mesmo, que Deus não iria nos criar apenas para isto, uma vida só? Não faz nenhum sentido! Mas olha, mesmo que você não acredite nisso, pense então o seguinte, imagine os que virão depois de você, seus filhos, netos.... o quê você vai deixar para eles? Você não quer que tenham uma vida melhor? Não foi isso que fez seu Avô? ”

Anos se passaram, e, um dia, durante um chá de panela em Uberaba, ouvi um homem contar uma história que me fez compreender que o que havia dito há tantos anos, sobre o quê iremos deixar aos que vierem depois, era muito maior e duradouro.

Naquela mesma cidade, quando o homem era apenas um menino, seu Pai faleceu repentinamente. A família havia perdido aquele que trazia o Pão para a casa. Vendo sua Mãe desesperada quando os alimentos da dispensa começaram a minguar, o menino, que era o mais velho de quatro irmãos, foi buscar trabalho. Depois de dias procurando sem sucesso, conseguiu uma emprego de ajudante em uma chácara muito distante de sua casa e, após um mês de idas e vindas, percebeu que não conseguiria caminhar todos os dias uma distância tão grande. Chegou à conclusão que a única forma de resolver o problema era comprar uma bicicleta. Mas como? Com o dinheiro que ganhava não seria possível. Lembrou-se então de ter ouvido, no armazém, dois rapazes comentarem sobre uma loja que vendia bicicletas à prestação. No seu dia de folga foi a tal loja e, lá chegando, descobriu que uma bicicleta era bem mais cara do que imaginara. Mas, não havia outra maneira. Depois de muito admirar todas aquelas bicicletas, foi até o dono da loja e perguntou se lá vendiam mesmo à prestação. Este respondeu que sim.

“Quero comprar aquela ali, quanto fica por mês ?” – perguntou o menino. O dono lhe disse o preço. Decidiu que compraria e foi tirando o dinheiro economizado para pagar a primeira parcela.

“Olha, menino, se é você quem vai comprá-la, precisa de uma avalista, sabe como é, alguém que vá te garantir. Seu Pai, por exemplo.”

“Senhor, eu não tenho Pai, ele morreu há pouco tempo. Não tem outro jeito? Eu preciso muito, mas muito mesmo dessa bicicleta!”

Tocado pelo semblante de pesar daquele menino, o Sr. perguntou,

“Menino, quem era o seu Pai?”

"Era o Sebastião Martins, que trabalhava na marcenaria São José lá do Vale Bonito."

"Não brinca, menino? Conheci muito o seu Pai, era um dos homens mais trabalhadores e honestos desta cidade. Vamos lá separar sua bicicleta."

Humberto Brusadelli
Enviado por Humberto Brusadelli em 19/04/2014
Reeditado em 05/12/2016
Código do texto: T4774330
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