NOSSOS BARBEIROS

NOSSOS BARBEIROS

Eu tinha mais ou menos seis anos quando fui pela primeira vez a uma barbearia em Calambau. Toda segunda-feira, José Cirilo, o retireiro da fazenda Baía, conhecido como Zé Bananal ou Zé Naná, levava, em um burro, o creme do leite produzido durante a semana. O transporte era feito em duas latas de 50 litros cada, dependuradas em cada lado da cangalha do burro chamado “ Pimpão”.

Num desses dias, a minha mãe, que sempre cortava o meu cabelo, viu chegada a hora do homenzinho passar a frequentar uma barbearia. Chamou o Zé Bananal e, após várias recomendações, lá fui eu, na sua garupa para Calambau cortar o cabelo. Foi colocado sob o arreio um baixeiro acolchoado que vinha até à garupa. A viagem demorou muito, pois várias vezes tivemos que parar para que eu “descansasse as pernas”, já que não estava acostumado a viajar tão longe, a cavalo. Só havia andado a cavalo ali por perto da fazenda, na garupa do meu pai, e, algumas vezes, sozinho no terreiro da fazenda.

Chegando a Calambau, fomos direto à casa do Sr. Guilé entregar o creme. Ele era representante do Laticínio Furtado & Cia, de Rio Pomba, para onde o creme produzido na região de Calambau era levado. Depois fomos para a casa de minha avó Augusta onde, no quintal, o Zé Bananal amarrou o burro debaixo de uma árvore. Depois de tomarmos o gostoso café da vovó, o Zé me levou para o corte do cabelo, na barbearia do Antônio Salomé. Lá chegando, comecei a ficar com medo ao ver o barbeiro passando uma faca (navalha) no pescoço de um senhor que estava cortando o cabelo. Após o corte, esguichou uma bombinha com água (álcool) no pescoço do mesmo. Em seguida, passou o talco. Tudo isso me amedrontou. Quando chegou a minha vez, ensaiei um choro que consegui controlar, pois o Zé Bananal estava ali perto. Depois da situação sob controle, o Zé me disse:- vou ali "na venda" fazer umas compras para a sua mãe e volto depressa. Foi o bastante para o choro vir de vez. Aí não teve jeito, o Zé teve que esperar. Esta foi a minha primeira experiência com um barbeiro.

Depois, frequentei a barbearia do nosso parente Ricardo Peixoto, tio do meu pai. Enquanto cortava o nosso cabelo, rememorava os fatos antigos de nossa comunidade e contava casos de nossos parentes mais velhos. Lembro-me de sua calma afiando a navalha em um pequeno pedaço do tronco de pita, tirado de um arbusto conhecido como piteira. Mesmo “amolada,” a navalha ainda beliscava uns bifinhos... Essa barbearia funcionava onde hoje é a casa do Yeyé Carneiro.

Naquela época, tínhamos, também, a barbearia do Zé Theóphilo, que funcionava em uma casa onde é, hoje, o Minas Bar. O Zé, mais tarde, transferiu-se para Viçosa.

Na Rua Nova, atual Siqueira Afonso, tínhamos a barbearia do Sr. Benvindo de Assis. O Sô Benvindo, como o chamávamos, era uma pessoa muito calma e nos contava muitos fatos ocorridos aqui e na zona rural de Galés, onde passou a infância. O seu cigarrinho de palha era um companheiro inseparável.

Havia, também, a barbearia do Sr. Vicente Ferreira, onde hoje funciona o Sindicato dos Trabalhadores Rurais. Ali, a conversa girava em torno da seresta local, pois o Sô Vicente era um bom violonista e gostava de uma seresta. Mais tarde, o seu filho José Maria, que nós chamávamos de Sô Inhô, também tornou-se um excelente barbeiro. Foi um bom atleta da U.S.E. e, também, tocava violão e gostava de uma seresta.

Em meados de 50, apareceu por aqui um soldado de nome Nelson, vindo de Barbacena, que se tornou ídolo da União Sportiva Educacional- U.S.E., por ser um centroavante goleador. Que o diga o Xavier Peixoto Quintão. Quando o Xavier cobrava um corner, podia contar, quase sempre, com um gol de cabeça do Nelson. Afinal, estamos falando de barbeiro ou de atleta de futebol? E, não é que o Nelson abandonou a Polícia e ficou por aqui para jogar futebol? Os dirigentes locais do Partido Social Democrático- P S D- (Ninico,Benigno, Ze Fernandes, Idú, Zizinho Peixoto e outros) arranjaram com o Sô Guilé (que também era do partido) um cômodo para funcionar a barbearia do Nelson. Como o Nelson aprendeu o ofício, não sei. O que sei é que a turma do PSD só cortava cabelo com ele. De barbeiro, o Nelson passou a ser Delegado de Polícia de Calambau .

Na década de 70, apareceu o Lilito Soares, um cabeleireiro (aí desapareceu o nome barbeiro) vindo de São Paulo e introduzindo, aqui, cortes mais modernos. Até então, só conhecíamos os cortes: Príncipe Danilo, Meia cabeleira, Busca ré, Cabeça raspada e Franjinha.

Hoje temos várias barbearias na cidade. No local onde já funcionaram várias barbearias (debaixo da casa do Hugo), atualmente, funciona a do Antero.

Esses foram alguns dos barbeiros que conheci e com os quais convivi. Outros também exerceram aqui essa notável profissão. Hoje, não é fácil ser barbeiro. As mulheres com os seus salões de beleza estão tomando a freguesia dos homens. E com razão, pois é muito melhor ser atendido pelas suaves mãos femininas do que pelas ásperas mãos de um homem.

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Murilo Vidigal Carneiro

Calambau /março/2014

murilo de calambau
Enviado por murilo de calambau em 19/04/2014
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